domingo, abril 12, 2009

Faltou o contraponto

O caríssimo colega Celso Cordeiro, em artigo aqui no Monitor da última quinta-feira, manifestou sua opinião desfavorável à adoção de pontos eletrônicos para controle das horas trabalhadas por jornalistas nas grandes redações do Rio. Sua argumentação teve o mesmo espírito do manifestado por colunistas de O Globo e por Ruy Castro, na Folha de São Paulo – ele está bem acompanhado, portanto.

O argumento principal contra o ponto eletrônico é o de que jornalista não tem hora. É um profissional que vive da notícia e notícia não avisa quando vai acontecer e nem quanto tempo vai durar.

Outro aspecto lembrado é o de que a profissão de jornalista não combina com a burocracia do ponto eletrônico. Na Folha, Castro chegou a brincar com o fato de Danuza Leão ter se casado com jornalistas justamente porque estes chegam tarde em casa e sempre têm boas histórias para contar – ela foi casada com Antônio Maria, Samuel Wainer e Renato Machado. Sobre a sua crônica, publiquei nesta semana o artigo “Se eu fosse Ruy Castro”, no site Federação Nacional dos Jornalistas (http://www.fenaj.org.br/).

Mas tanto o nosso querido Celso Cordeiro quanto os colunistas de O Globo e Ruy Castro – a seção “Por dentro do Globo” também tratou do assunto –, se esqueceram de obedecer a uma regra tão tradicional no jornalismo quando a aversão à burocracia: ouvir o outro lado.

E há uma longa história antes da chegada do ponto. Tem a ver com toda a trajetória de profissionalização da atividade de jornalista, que garantiu mais independência e qualidade às redações. Mas no caso específico do Rio, trata-se de um assunto debatido e reivindicado por jornalistas há pelo menos uma década, e aprovado em assembleia da categoria.

Não passa pela cabeça de nenhum jornalista abandonar a sua apuração em razão de ter chegado o horário de passar o cartão de ponto. No entanto, o que passa pela sua cabeça – como na de qualquer trabalhador – é a de que ele deve receber pelas horas trabalhadas. Simples assim: trabalhe por 7, 8, 10, 12 horas. E receba por 7, 8, 10, 12 horas. Que problema há nisso?

Desde a Revolução Industrial, em fins do século XVIII, o tempo é um parâmetro para a remuneração. E também devem ter sido chamados de burocráticos os primeiros trabalhadores que resolveram reivindicar a redução de jornada, a exclusão de crianças do mundo do trabalho, o estabelecimento de um salário mínimo, direitos sociais, aposentadoria, e tantos outros pressupostos legais que buscam preservar o lado mais frágil na relação empregado-empregador.

Um lado bom nessa polêmica é a de que ela expôs, ainda que parcialmente, ao menos um pequeno aspecto dos bastidores da produção jornalística e da atividade dos jornalistas, que sempre foi um assunto relevante para o público, mas, infelizmente, ignorado pela grande imprensa.

[Artigo publicado hoje no Monitor Campista]

2 comentários:

Guilherme Póvoas disse...

Vitor, fecho com sua análise. Esta versão de que "jornalista não tem hora" serve, na verdade, hoje em dia, para que patrões de redações explorem todos - do estagiário ao editor-chefe. Um bom salário, o que raramente, muito mas muito raramente acontece, resolveria o problema do ponto. Por ora, acho melhor passarmos todos o cartão. A dúvida é: que jornais irão aplicar isso?

Sérgio Provisano disse...

Romantismo à parte, com raras e honrosas excessões, poucos jornalistas, assim como jogadores de futebol diferenciados, recebem altos salários, a grande maioria é explorada pelos patrões e, isso tem que mudar, afinal, sem a força de trabalho desses profissionais, nenhum meio de comunicação consegue sobreviver, num mercado altamente competitivo que é o da comunicação e informação.

Comungo da mesma opinião de que nenhum profissional abrirá mão de apurar uma matéria mesmo que esteja de folga. O indivíduo quando escolhe ser jornalista, acaba por adquirir um "vício" por assim dizer, passa a respirar a atividade, vinte e quatro horas do seu tempo, é o que costumeiramente dizer, "uma cachaça", não tem como se livrar desse vício.

A remuneração por essa dedicação tem que ser à altura, jornalistas são profissionais diferenciados e como os são, devem ser, diferenciadamente remunerados, bem, diga-se de passagem.

Por esta razão, por não terem sido bem remunerados é que , por exemplo, ocorreu o fechamento do jornal A Cidade, cuja equipe de trabalho foi se desfazendo por falta de estímulo e remuneração decente.

Todo trabalhador tem direito de ser bem remunerado pela sua força de trabalho e o jornalista não foge à regra.

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