Se eu fosse Ruy Castro, também não me importaria com algumas horas não remuneradas na gloriosa missão jornalística. Nem me passaria pela cabeça profanar o sagrado ambiente da redação com um vulgar ponto eletrônico. De modo algum me renderia à burocracia do tempo marcado.
Se eu fosse Ruy Castro, igualmente assinaria crônica como a do último sábado, na Folha de São Paulo, e diria que jornalistas não são trabalhadores como outros quaisquer, repreendendo de modo inclemente os medíocres que assim pensam.
Se eu fosse Ruy Castro, confundiria com certa displicência elegante a diferença entre ser escravo da informação e ser escravo do patrão. E usaria meu talento de escritor genial para avisar aos novos do bando: não dêem ouvidos a estes jornalistas que reclamam por trabalharem demais e não ganharem o que acham que é justo.
Se eu fosse Ruy Castro, assim como quem bate papo em um botequim do Rio, diria descontraído que nem mesmo as suas mulheres os merecem, porque não têm o brilho dos antônios marias, dos samuéis wainers, dos renatos machados e, muito menos, do que eu teria, se fosse Ruy Castro.
Se eu fosse Ruy Castro, não me importaria com contas para pagar, filhos para matricular na escola, essas bobagens com as quais apenas tocadores de oficlide, adestradores de pulga e taxidermistas precisam se preocupar.
Se eu fosse Ruy Castro perderia aniversários de parentes, feriados, a saúde, o convívio com a família, e quem sabe até pagasse pelo prazer destas perdas. Poderia abrir mão de ter um cachorro, de deitar em uma rede, de reivindicar qualquer coisa, e de ser gente.
Se eu fosse Ruy Castro, desdenharia dos sindicatos, ignoraria com ar blasé as decisões de assembleias, e não me meteria com esta gente que não dá conta de se defender sozinho, e precisa rastejar em grupo para se fazer ouvir.
Finalmente, se eu fosse Ruy Castro, também alimentaria a mítica imagem do jornalista super-homem, que teria todas as noites, depois das suas andanças parcamente remuneradas pelo mundo, histórias sensacionais para contar.
Mas eu não sou Ruy Castro. Sou apenas um dos cerca de 60 mil jornalistas brasileiros, que trabalho em assessoria e no ensino de jornalismo, ajudando a formar, quem sabe, um novo Ruy Castro, que poderá um dia também atestar a mediocridade do seu professor e dos demais colegas de profissão.
[Artigo publicado hoje no site da FENAJ, aqui]
segunda-feira, abril 06, 2009
Se eu fosse Ruy Castro
Postado por Vitor Menezes às 21:49 Marcadores: ensino de jornalismo, fenaj, sindicato dos jornalistas
7 comentários:
Maravilhoso seu texto, Vítor. Ainda bem que nós não somos Ruy Castro. Um abraço
Se eu fosse Ruy Castro teria acabado de levar uma baita porrada.
Já sei, o Ruy Castro pegou empretado e não te pagou. Só pode ser isso. Que mal teria lhe feito o sujeito?
Fica assim não, quando você crescer, quem sabe não se torne um generico Ruy Castro?
Ainda bem que vc não é Rui Castro, pois assim temos o prazer de conviver com um ser humano maravilhoso, amoroso com seus e brilhante professor, jornalista, escritor, irmão,pai,marido, filho,enfim um ser humano de primeira. Beijos e TE AMO. Marta
Se eu fosse Ruy Castro (que respeito como bom escritor que é) me absteria (acho que grafei de forma correta) de tecer as considerações que ele teceu, afinal, ser remunerado de forma digna, recebendo as horas trabalhadas de acordo com as leis trabalhistas, não é nehum demérito, ao contrário, é um direito de todo trabalhador.
Que o jornalista tem um trabalho diferenciado isso é inegável, assim como policiais, bombeiros, médicos, entre outras profissões que exigem por parte de quem as exercem, dedicação exclusiva.
Ruy Castro perdeu uma grande oportunidade de ficar calado, já que não comunga da luta sindical por melhores condições de trabalho e remuneração à altura desse trabalho importante que é o de levar informações aos leitores, ouvintes e telespectadores desse nosso país.
Sorte nossa, Vitor! Grande beijo e feliz 2012!!!
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