Passei nesta sexta-feira cinco horas dentro da Bienal do Livro de Campos, primeiro dia do evento. Gostei do que vi e ouvi. Por todo canto há a sensação de que trata-se de um momento em que a cidade fica em suspensão, deixando de lado as suas questões menores, as suas disputas provincianas, para experimentar alguma forma mínima de consenso. Enfim, estamos diante de algo que é maior do que nós e faz valer a pena viver aqui.
Sobre a questão mais polêmica que cerca esta edição, que diz respeito à localização na Praça São Salvador, tenho a dizer que me parecem superáveis quaisquer objeções, algumas até bem razoáveis, quando se vêem corredores e atrações culturais lotados durante todo o dia.
É impossível não pensar que estão circulando por esta Bienal muitas pessoas que sequer sabiam que Campos realiza bienais. A facilidade no acesso está fazendo muita gente que está no centro por outros motivos, ou no trabalho, dar uma passadinha só para ver o burburinho. Pode ser alguém que nunca foi a um evento literário e de repente se vê naquele universo que mal sabia existir. Isso já vale o risco de ser na Praça.
Registre-se que os elementos da praça – ou o que sobrou dela depois da devastação das árvores e dos canteiros antigos – se integraram com harmonia ao ambiente coberto da Bienal. O monumento ao soldado desconhecido está particularmente incorporado, com bancos e uma exposição sobre Raquel de Queiroz à sua volta, como se fosse uma praça dentro da praça. Os postes com suas luminárias e cestas de lixo – deselegantemente lembradas com desdém pelo desagradável performático e pueril Michel Melamed – deram um ar de passeio público ao local, altamente condizente com a proposta de se fazer um evento popular.
Há problemas, claro. Um deles é a falta de isolamento acústico para os locais de bate-papo com os autores. O ótimo Café Literário de ontem, por exemplo, foi vez por outra maculado pela impossibilidade de ouvir bem os escritores Sérgio Sant`Anna e Carlos Ondjaki, que também tiveram dificuldades para ouvir as perguntas da plateia, entre um e outro ruído de automóvel, sirene de ambulância ou música do som do evento. Igualmente causava dispersão, e até uma certa aflição, o forte balançar da lona sob o vigoroso vento que vinha do Paraíba (o que mereceu comentários do angolano Ondjaki, que brincou sobre a hipótese de estarmos em um deserto).
Mas este tipo de problema se ajusta, ou se releva, e não chega a comprometer a grandiosidade do evento.
Falta clima no entorno
Algo que lamento é que o entorno não se mostre no clima da Bienal. Os comerciantes da cidade, em sua maioria chucros e que fazem jus à máxima de José Cândido ao referir-se genericamente ao campista – que não saberia a diferença entre uma poesia e uma ferradura – não se mexeram para estender a bienal para as ruas e comércios. Talvez tenha faltado criatividade e empenho da Prefeitura, também, para que isso ocorresse.
O único elemento de integração entre o entorno e a Bienal que tive notícia foi a boa ideia de promover uma mostra de cinema no auditório da ACIC (Associação Comercial e Industrial de Campos), no prédio ao lado da Praça São Salvador. Mas muito mais poderia ser feito, como acontece no Corredor Literário da Paulista, quando empresas, comércios e instituições de um trecho da lendária avenida de São Paulo se põem a desenvolver atividades literárias, gerando toda uma atmosfera cultural por quarteirões.
Performances no Terminal Rodoviário Urbano, passeatas poéticas pelo Calçadão, descontos para quem entrasse em uma loja e lesse um trecho de uma obra literária, livros pendurados em varais, bonecos de personagens literários andando pelas ruas, banners e faixas que estendessem a identificação visual da Bienal por todo o centro, palestras dentro da Catedral, esquetes dentro dos ônibus, mostras de artes plásticas nos saguões de agências bancárias, mini-shows musicais nas esquinas, telões para exibir as mesas de debates fora da tenda, visitas guiadas a prédios históricos do centro, entre tantas outras possibilidades, poderiam fazer a Bienal não se limitar à área coberta, gerando ainda mais integração com a comunidade.
As instituições, especialmente as de ensino superior, também precisam fazer mais do que burocraticamente abrigarem-se em um stand da Bienal. Elas poderiam contribuir com atividades culturais paralelas para ajudar neste clima que toda a cidade, ou parte dela, poderia viver. Não seria demais que cada uma adotasse uma atividade cultural no entorno.
Evento consolidado
Mas, em todo caso, é muito bom saber que a Bienal é hoje, ela mesma, uma instituição campista, que tem sobrevivido aos tantos e tantos governos que se sucederam desde 2000, quando da sua primeira edição. Melhor ainda poder supor que a sociedade saberá reagir se algum dia alguém se atrever a não mais realizá-la.
[Crianças da Rede Pública de Ensino na Bienal - Foto: Roberto Joia/Secom PMCG]