domingo, fevereiro 23, 2014

Vai ter Copa


Empolgar-se com os gritos de “não vai ter Copa” é o que fazem os ativistas de poltrona, os revolucionários do Facebook. Compartilhar a coragem dos manifestantes enfrentando bombas de gás em São Paulo e Rio de Janeiro é o que há. Mas não se engane: vai ter Copa e nada do que você fizer agora vai mudar isso. E ainda tem mais: você vai dar uma olhadinha na final da competição transmitida pela TV Globo. Vai reclamar do Galvão Bueno e chamar Neymar de pipoqueiro. Se o Brasil perder você vai culpar a CBF, a farra com o dinheiro público e/ou a burrice de Felipão. Se o Brasil ganhar vai dizer que a Copa foi comprada, e que essa competição era um jogo de cartas marcadas.
O momento de gritar “Não vai ter Copa” era entre 2009 e 2010, quando o Brasil se candidatou. Mas naquela época, ninguém estava preocupado com isso, o tal gigante ainda dormia em berço esplêndido. Naquele momento, quando a CBF e o Governo Federal se encontravam para traçar os planos para 2014, era o momento de sair às ruas e dizer: “Não queremos Copa! Já conhecemos vocês políticos! Sabemos que vão superfaturar tudo! Nós queremos hospitais, escolas e estradas!”. Mas eu não me lembro de ninguém nas ruas naquele ano.
Naquela época, alguns políticos, sociólogos e jornalistas já previam: a Copa vai ser superfaturada. Todos sabiam disso, era claro como água. Até os pinguços na mesa de bar já falavam sobre isso, mas onde estava o pessoal do “Não vai ter Copa”? Muito provavelmente, estavam elegendo os mesmos políticos que agora estão superfaturando a Copa do Mundo no Brasil. Quando vejo aquela multidão nas ruas do Rio de Janeiro, protestando, quebrando e se indignando, fico me perguntando como pode Eduardo Paes ter sido eleito no primeiro turno? Quem afinal de contas colocou Sérgio Cabral no poder? Aposto que você não votou nele. Nem eu. Então como diabos ele ganhou a eleição? Quem elegeu Bolsonaro? Quem elegeu Marco Feliciano? Onde a turma do “Não vai ter Copa” estava quando a gente mais precisou dela?
Não sou contra os protestos, nem poderia, minha história de vida não me permitiria isso. Não sou contra Black Blocks, Cabruncos, Anonimous ou qualquer outra força que se levante contra as mazelas que nos são impostas pelo opressor. Se o governo entender que estamos acomodados, ou os obedecemos como ovelhas, vão continuar tripudiando e superfaturando Copas, Olimpíadas e o que mais eles encontrarem pela frente. Sair do estado de letargia em que nos encontrávamos foi incrivelmente excitante, mas nos perdemos no meio da multidão. Perdemos a direção. Gritamos para todos os lados e ninguém ouve. Falta coragem, liderança e um posicionamento claro, definido. Sem isso, vão continuar gritando “não vai ter Copa” para ouvidos surdos.
Na Ucrânia, milhares de pessoas marcharam em direção ao parlamento e exigiram a retirada do presidente. E ontem à noite eles conseguiram. Não se enganem: os partidos de oposição estavam à frente, sempre estiveram e sempre vão estar. É assim em qualquer república que se preze. Inclusive no Brasil. Acreditar, por exemplo, que os caras pintadas tiraram o Collor do poder é ser ingênuo ao quadrado. O impeachment de Collor foi um trabalho de coalizão de partidos de oposição com movimentos sociais e sindicais sérios que explodiu na marcha dos caras pintadas. Outra vez, os partidos de oposição, movimentos sindicais e movimentos sociais estavam à frente. A vontade popular estava ali representada, mas não sem um direcionamento.
No exército existe um treinamento de recrutas chamado “Ordem Unida Sem Comando”. Todos sabem o que fazer e não precisa de um líder, não precisa de um comandante. E eles andam, andam e não saem do lugar. Gritam, gesticulam, fazem um barulho enorme e no final estão no mesmo lugar. As manifestações andam em círculos, faltam cérebros, sobram músculos. Por outro lado, as manifestações reverberam a vontade popular e conseguem nos mostrar pontos que até então estavam obscuros, casos que antes passariam despercebidos. Amarildo, Museu do Índio, entre outros casos que antes não teriam força para aparecer no Jornal Nacional. Mas ainda é pouco, muito pouco.
Também está claro que muita coisa que acontece nas manifestações não nos chega de forma correta, é como um telefone sem fio. Os movimentos sociais envolvidos às vezes são abafados pelos gritos de meia dúzia de baderneiros ou são suprimidos na edição do Jornal Nacional. O mesmo noticiário que gasta cinco minutos com um tiozinho que teve seu fusca incendiado, mas não gasta dez segundos para entrevistar ativistas que têm algo a dizer dentro e fora das manifestações. Não dá pra acreditar que é apenas bandalha, porque não é. Mas a mídia corporativa tem sido mais inteligente do que os manifestantes, que acabam se transformando em vilões, como em 60/70. A história não pode se repetir. Precisamos ser mais inteligentes, precisamos ser mais incisivos e parar de andar em círculos. Eles não entram em campo pra perder, são os donos da bola, subornaram o árbitro e ainda são os donos do campo. Nós só temos a torcida a nosso favor, então é hora de jogar com inteligência e parar de perder para quem é menos talentoso com "a bola nos pés". E finalmente, parafraseando Malcolm X, “se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo”.
Vai ter Copa, e entenda de uma vez por todas que não é força, é jeito.

quinta-feira, fevereiro 20, 2014

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

[crônicas urgentes]

Pronta para o prazer

Álvaro Marcos Teles

Um pequeno contratempo na calça jeans clara, recém adquirida, quase fez Lourdes perder a hora. Mesmo com a temperatura relativamente baixa, o jeito foi apelar para o vestido justo floral, palmo e meio acima dos joelhos, zíper nas costas. Mal deu para se ajeitar, borrifar uma "misturinha mágica" no cabelo, passar glitter azul e preto no entorno dos olhos, pôr a apertada sandália bege, pendurar a bolsinha preta e partir. Chegou esbaforida no ponto, ainda a tempo de ser uma das últimas passageiras a embarcar no ônibus.

Não ligou para os olhares atravessados de toda ordem. As mulheres mais velhas a fuzilavam, misto de decoro e inveja. Os rapazes, era visível, imaginavam despi-la. Até o trocador e, depois, o motorista, apreciaram partes das coxas e, principalmente, sua exuberante bunda. Os quarenta minutos dentro do coletivo pareciam uma eternidade. Por volta das oito da noite Rogério a esperava no lugar marcado, espécie de refúgio dos dois: um quiosque encravado numa ruela entre duas das avenidas mais movimentadas da cidade.

O avistou logo na esquina, onde crianças se divertiam com brinquedos de madeira. Para ela, fogosa, encontrar o amante também era uma espécie de playground. Ignorava até que achassem errado deixar a filha de quatro anos com a mãe, uma evangélica que perdia os cultos noturnos das terças-feiras toda vez que tomava conta da criança. Pecado, no dicionário de Lourdes, era sinônimo de não encontrar o macho. Sorridente, se aproximou. E com o rebolado característico, de entortar qualquer pescoço masculino que cruzasse o caminho.

Ele estava como de costume: traje social, cheiroso e já degustando uma cerveja. Rogério cortejava até a si mesmo, parecia. Levantou, puxou a cadeira, como à moda antiga, a viu sentar e, então, chamou o garçom. Pediu só um copo, mostrando o dele. Ela não perdeu tempo e tascou um beijo que molhou a área compreendida entre a bochecha e o pescoço do rapaz. Virou-se e, ato contínuo, pôs as enormes unhas pintadas de vinho sobre a coxa dele. Era o sinal insinuante, a provocação, o exibicionismo gratuito, o fogo ardente.

Alguns cães trançaram as mesas em busca dos restos de comida no chão. Uma cachorra, prenha, branca e marrom, chamou a atenção. Frágil e obstinada, ao mesmo tempo. Lourdes se identificou. Literalmente. Pensou ser, ali, naquele instante, também uma cadela, só que no cio. Rogério cumprimentou um casal conhecido. O cara, gordinho bonachão, descobriu a tatuagem dela no tornozelo. A mulher, simpática e educada, adotou maior discrição. Lourdes, em chamas, já roçava o joelho, já mordia o lábio internamente, como os que muito desejam.

Poucas palavras, algumas ao pé do ouvido, bastaram. Veio a conta, e uma sensação de que, naquela noite, algo poderia ser diferente. Claro que a companhia de Rogério era puro deleite. Só que novembro, pertinho do verão, pedia um ineditismo. Ela ficou sem jeito. Afinal, já haviam experimentado de quase tudo. O quase fica para práticas sadomasoquistas, vontade de Rogério, escorregões sempre milimetricamente calculados dela. Embebedou-se de coragem, respirou fundo, suspendeu as sobrancelhas, e tascou o pedido: "Amor, me leva no China In Box?".

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Por uma Fundação Monitor Campista

Os jornais impressos vão morrer. Mas o Monitor Campista não deveria ter morrido. E justamente em razão da morte anunciada deste tipo de mídia.

Quando, em 2009, o Monitor fechou as suas portas, lamentou-se a perda da circulação de uma alternativa de informação, a perda da condição de cidade sede do terceiro mais antigo jornal do país, e a perda da fonte de sustento para dezenas de trabalhadores.

Mas havia mais que isso. Perdemos uma oportunidade de termos, no futuro, um bem cada vez mais raro, algo que o município poderia ter escolhido preservar vivo para conservar um laço concreto com o passado, como quem preserva uma antiga igreja, um antigo solar.

Pode parecer exagero, mas via o Monitor Campista, daqui a 50 ou 100 anos, até mesmo como atração turística (como, a propósito, deveria ser Ao Livro Verde), sem prejuízo do seu potencial como empreendimento viável financeiramente.

Imagine, em um cenário onde há cada vez menos impressos, uma cidade ter para mostrar um jornal de mais de 200 anos, ainda em circulação, como teríamos daqui a pouco mais de 25 anos (o Monitor foi assassinado aos 175 anos!). O modo de fazer um impresso, as rotativas funcionando, a circulação, o próprio produto, tudo isso será muito curioso daqui a cem anos. É algo como ver a prensa de Gutenberg funcionando hoje.

Evidentemente esta não seria a única função do jornal. Todas as demais plataformas de leitura deveriam ser desenvolvidas (como vinham sendo), como qualquer outro veículo, e a sua missão de produtor diário de informação, naturalmente, deveria ser mantida.

Todos poderíamos acessá-lo em nossos celulares, ou nos óculos do google, o que mais aparecer, mas haveria, para orgulho caprichoso da cidade, uma pequena tiragem impressa para assinantes admiradores da publicação, para órgãos públicos, para os turistas.

Agora, quando discutimos os meios de trazer de volta o acervo do Monitor Campista para a cidade, insisto que não devemos pensar no seu legado como algo morto, que encerraremos em uma sala do Arquivo Público Municipal. É claro que a vinda do acervo será um passo importante, e espero mesmo que consigamos, mas não podemos ficar apenas nele.

O futuro que sonho para o jornal é o retorno da sua publicação, editado por uma Fundação Monitor Campista, que conserve o seu acervo, viabilize o acesso de pesquisadores e turistas, seja um centro de preservação da memória da imprensa local, e consiga demonstrar que a força histórica do Monitor conseguiu ser maior do que a omissão de uma geração que permitiu a sua “descontinuidade” em um remoto 2009.

sábado, fevereiro 01, 2014

Adão e Eva

[crônicas urgentes]

Adão e Eva

João Arruda

Deus não criou Adão e Adão. Porque é assim que está escrito. É o certo, o sagrado, o natural. Tudo vem de Adão, do homem.

Uma costela de Adão foi tirada para que existisse a mulher.

Meio quadril de Adão foi tirado para que existisse o veado. É por isso que até hoje tem aquele negócio de andar como homem e andar como veado. Cada um manca pra um lado.

E a sapatão? O que Deus tirou de Adão pra criar a sapatão?

Um par de all star de cano longo.

Mas Sodoma e Gomorra...

Foram destruídas porque eram cafonérrimas. Foi justamente no Gomorra Fashion Week. Lot ficou hor-ro-ri-za-do com o mau gosto, o comportamento licencioso e levantou pra ir embora na hora. A mulher dele teimou em olhar pra trás, deu aquela quebradinha Gisele Bundchen e virou uma estátua de sal na hora...

Que punição severa...

A alternativa era desfilar por toda a eternidade no Osasco Fashion.

É claro que houve um velho testamento inteiro de debates antes da decisão de formar uma família e tornar a santíssima uma trindade.

Mas pense o que vão dizer na escola. Você vai ser o pai, ele vai ser o filho. E eu? Eu vou ser o quê?
O Espírito Santo.

Claro que o fanatismo azedou a ceia. A criança acabou sendo adotada. Por sorte ficou sendo filha de um casal maravilhoso. E duas mil crianças morrem toda hora até hoje porque Herodes era presidente da Comissão de Direitos Humanos da Judeia.

E Salomé bota um terninho, uma peruca loura e vai apresentar telejornal homofóbico. Dá vontade de postar: faz a dança dos sete véus aí, sua filha da puta!

Por muito menos que isso ela pediu a cabeça do João Batista.

Então, vamos mudar de assunto. Vocês viram que coisa linda o Félix?

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