segunda-feira, outubro 13, 2014

[croniquinha de segunda]

O cronista e o poeta

Críticos acirrados um do outro, cronista e poeta se esbarraram na Rua das Moças, no Centro, onde apreciavam as pernas de fora das meninas. Como não perdem oportunidade de se alfinetarem, puxaram cadeira, lado a lado, no boteco mais próximo, a menos de dez passos de onde se encontraram. Pediram cerveja, embora o cronista quisesse whisky 12 anos. Nem no paladar etílico se entendiam. Rusga antiga, de anos, talvez décadas e, quiçá, séculos. A oposição mútua encobria certa atração, como dizem ocorrer com inimigos ferrenhos.

- Você faz rimas, que chama de versos. Tenta unir amor com flor, coração e paixão... Coisa ridícula, brega, pobre. - dispara o cronista.

- Inveja, pura inveja. Tenho o poder de síntese, consigo resumir. Não preciso me estender em linhas e linhas, coisa chata! - devolve o poeta.

Silêncio curto. Tempo para o cronista preparar a defesa.

- A escrita tem que ser fluente. Sair por aí declamando frases que ninguém entende é exibicionismo puro.

De primeira, o poeta emenda:

- Meus textos podem virar letra. E com a música, a mais popular das artes, serem imortalizados. E os seus?

- Os meus? Tem certeza que pergunta isso? Posso ver minha escrita até no cinema! - retruca o cronista.

Os argumentos são fortes, mas não convencem ambos. Três, quatro garrafas depois, mínimo nível alcoólico atingido, resolvem estancar as ofensas. Combinam, para continuidade da convivência sadia, que não vão mudar de opinião. Só que conseguem enxergar, já anestesiados, que, ambos, vêem poesia na vida. E, amantes das palavras, se expressam como querem e preferem. Afinal, o ídolo maior dos dois, Charles Bukowski, rabugento que só, conciliava, ele mesmo, os dois estilos. Enfim, brindaram.

Álvaro Marcos Teles

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