segunda-feira, junho 24, 2013

[croniquinha de segunda]

O velho magnânimo
 
Vitor Menezes

O velho, magnânimo, olhou para as formigas e disse:

- As deixarei viver.

Gostava de exercer poder.

E não há poder maior do que decidir sobre a morte e a vida, ainda que sejam de formigas. No caso do velho, nem sempre o foram.

Décadas atrás, eram frequentes as situações em que decidia se devia matar ou se devia deixar viver. Fazia isso com refinado humor, mas ainda assim escolhia mais a primeira do que a segunda opção.

Uma noite, no seu pequeno tribunal particular, julgou e condenou à morte um dos seus empregados, sujeito petulante que ousara reivindicar uma bobagem qualquer que nem mais se lembra. Um imbecil aquele funcionário.

Também teve a vez em que mandou que desaparecessem com um pároco, adepto de ideias estranhas sobre o papel da igreja.

Nas poucas vezes em que optou por deixar viver, o fez por necessidade de liberar o apavorado para que contasse aos seus iguais o que acontece com quem o desafia.

O tempo passou, os tempos mudaram, e a matança arrefeceu. Mas o velho não perdia o hábito de exercer poder. E assim fazia nos seus novos negócios, com seus parentes e até com amigos e aliados.

Não eram mais tiros o que disparava. Eram ordens desencontradas ou sem sentido, reprimendas desnecessárias, humilhações públicas, acessos de fúria contra subalternos.

Até que chegou o dia em que uma emboscada o tombou no acostamento de uma estrada de pouco movimento. Foram seis tiros. Dois na cabeça, três no peito e um ridiculamente na nádega direita. Ele ainda agonizava, rosto colado ao chão, sangue escorrendo da boca, quando viu a trilha de formigas que se aproximava. E foi este o momento em que balbuciou:

- As deixarei viver.

quinta-feira, junho 20, 2013

segunda-feira, junho 17, 2013

[croniquinha de segunda]

A gargalhada silenciosa

Vitor Menezes


Era uma gargalhada sem som em contraste com a noite. Em dentes alvos e incisivos. E era um olhar risada que poderia desintegrar a quem apontava.

Eu não sabia que isso existia. Descobri dia desses. Matar alguém, ainda que metaforicamente, apenas com um riso silencioso. Não poderia imaginar.

Não era um anti-riso. Não era um deboche. Era uma boca aberta no ar como que a condenar o ridículo do próximo e de todas as autoridades constituídas e de todas as formas de seriedades do mundo e de todos os modos barulhentos de rir.

Queixo erguido de um rosto redondo que, quando apontado para o céu para a posição de ataque, se torna afilado. Olhos negros e miúdos, sob sobrancelha grossa e severa. É esta a moldura dela, da gargalhada sem som. E se chama Camila a sua dona. Ou seria a gargalhada a dona da mulher? (que, como que possuída, não pode contê-la e se põe a gargalhar involuntariamente).

O enigma me atordoou por dias. Como pode isso? Como pode alguém gargalhar sem som?

Dividi a minha angústia com os amigos que testemunharam a cena. Nem mesmo a dona (ou a propriedade) da gargalhada havia se dado conta da sua excepcionalidade. Então passou-se a considerar o potencial daquele dom: ideal para utilizar em velórios e palestras. Perfeito para não atrapalhar gravações de rádio ou TV. Indicado para missas. Oportuno para experiências com cinema mudo. Fotogênico.

E a todo momento eu queria rever aquela exclamação insidiosa em forma de lábios e dentes. Era disso que se tratava, de um enorme ponto de exclamação. Creio que jamais verei gargalhada como aquela em outras bocas.

Sabe aquela letra do sempre Chico que diz que “o velho cantor subindo ao palco apenas abre a voz, e o tempo canta”?

Pois Camila abre a boca e a noite ri. De nós. E em silêncio.

sexta-feira, junho 14, 2013

Bate papo com Gisele Borba após a exibição de "O diário de um jornalista bêbado"

Ucam nega relação com cursos oferecidos em hotel

Os colegas da Candido pedem divulgação da nota abaixo:

"UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – CAMPOS

Esclarecimento Importante

A Universidade Candido Mendes – Campos, ciente de sua grande responsabilidade perante a comunidade acadêmica, estudantes e população de Campos e Região, em respeito ao direito constitucional à informação, esclarece que não tem nenhuma participação nos cursos de pós-graduação lato sensu que estão sendo oferecidos, na modalidade semipresencial, num hotel desta cidade, pelo Instituto Prominas, da cidade de Coronel Fabriciano/MG. Portanto, não se responsabiliza pela legalidade, regularidade, qualidade ou certificação dos mesmos. Todos os cursos da UCAM – Campos são oferecidos em seu campus universitário na Rua Anita Peçanha, 100, Parque São Caetano, nesta cidade.

Campos dos Goytacazes, 14 de junho de 2013

Luís Eduardo de Oliveira Souza
Diretor"

terça-feira, junho 11, 2013

[croniquinha de segunda]

O infiel e o mulherengo

Vitor Menezes

Digamos que uma certa associação taquarense das mulheres emancipadas tenha escorregado na má ideia de convidar Aécio Manhas (assim mesmo, sem acento) para palestrar em seu encontro anual. A proposta teria surgido na cabecinha santa de Benta Edvirges, moça progressista, inaugurada e militante, mas de formação romântica e religiosa. O plano: ouvir o que os homens têm a dizer sobre relacionamentos.

- Todo ano ouvimos as companheiras feministas. Nós já sabemos o que elas têm a dizer. Precisamos saber é o que os homens têm a nos revelar – teria defendido a engajada Bentinha.

Imagine então que Aécio teria caminhado da plateia para o palco, após solene apresentação feita pelo cerimonial, e tenha se postado ao microfone diante de dezenas de olhares associados, taquarenses, mulherenses e emancipados, dado duas batidinhas com os dedos para testar o som, ajustado a altura do pedestal, e dito algo assim:

- Boa noite a todas. É um grande prazer estar entre tantas mulheres. Creio que muitos homens gostariam de estar no meu lugar nesta noite, especialmente se forem cumpridas todas as promessas que estes olhares me fazem agora.

Neste ponto, parte das ouvintes desviaria os olhos, outra parte franziria o cenho em desaprovação, mas a maioria sorriria receptiva.

Seria nula a possibilidade de que Aécio Manhas deixasse o evento sem carregar duas ou três para o seu estúdio fotográfico. Sim, o palestrante seria um fotógrafo, escolhido para a missão justamente por manter consolidada fama de conquistador contumaz.

Não tardaria o burburinho sobre a impertinência de convidar um machista cafajeste, responsável pelos mais notáveis casos de desvirtuamento precoce de meninas, e também de destrambelhamento matrimonial de senhoras, para falar em evento concebido para proclamar a libertação feminina de espécies da sua laia.

Benta Edvirges estaria em busca do botão “ejetar” em sua cadeira, quando seria tomada por esperança redentora ao ouvir, lá pelos trinta minutos de palestra, Aécio dizer que, diferentemente do que aquelas gostosurinhas da plateia poderiam imaginar, ele era um homem fiel.

- Tenho horror da infidelidade – proclamou, chamando a atenção até das mais hostis ouvintes.

- Não sou e nem nuca fui infiel. Sou é mulherengo. O infiel gosta de trair. O mulherengo gosta é de mulher. Trato todas como se fosse a única e, se pudesse, ergueria um altar para cada uma delas. Se não posso ser só de uma, é porque amo demais. O infiel gosta de ver o sofrimento da mulher traída, goza a sordidez da enganação, valoriza o profissionalismo da dissimulação. O mulherengo, ao contrário, a faz tão bem que ela o deixa livre, para ir e voltar feliz. É normalmente atrapalhado e amador. E se incorre em certa simultaneidade em seus casos, é por considerar a vida muito curta para amar uma de cada vez – disse, pontuando com um sorriso aberto.

Até as mais ortodoxas considerariam a validade da tese. E haveria mais uma festinha no estúdio.

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