segunda-feira, fevereiro 25, 2013

[croniquinha de segunda]


Velho tem que ser velho

Vitor Menezes

Envelhecer deveria ser um direito humano básico. Essa história de velho ativo, serelepe, dançarino, trabalhador, turista, é uma bobagem. Velho tem que ser velho. Ficar agarrado na cadeira de balanço em casa, olhando o horizonte perdido e embaralhando memórias até se perder deste mundo em suas caduquices e dele se despedir sem dor.

O velho com compromissos, com horários e agendas, com deveres de provedor, com a obrigação de manter-se alegre, é uma deformidade dessa cultura produtivista que nos faz crer que o trabalho serve de sentido e ao homem dignifica. Conversa fiada para manter consumidores consumindo mais e por mais tempo.

Velho bom é velho velho. Acorda alheio à correria da casa e vê todos se esvaírem porta afora nas primeiras horas da manhã. Depois abre pastas e consulta antigos recortes de jornal. Dá de comer ao passarinho. Ouve rádio na varanda. Almoça enquanto assiste o Globo Esporte. Dorme depois do almoço e, se tiver com muito sono, só acorda na hora da Ave Maria. Se antes, caminha até a praça para sentar no banco de madeira e observar o desassossego do povo.

Esse negócio de velho Niemeyer, velho Dercy Gonçalves, velho Darcy Ribeiro, que velhavam suas velhices disfarçando-se de jovens, é de um mau gosto patético.

Muitas crianças de hoje mal sabem o que é ter avô ou avó. Eles estão ocupados, não podem ficar com os netos. Não contam histórias, não resmungam impertinências, não dizem que essa juventude está perdida. Dia desses vi até um concurso de vovós gostosas, que desfilavam de biquíni na passarela, deixando enrubescidos os parentes.

Se é verdade que o Brasil guarda uma grande contribuição para a humanidade, minha sugestão é a de que seja essa: o resgate do velho velho. Vamos lembrar ao mundo o grande prazer da indolência e parar de fazer com que os velhos se comportem como se velhos não fossem.

domingo, fevereiro 24, 2013

Flávio Mussa questiona denúncia sobre CAPS

Nos comentários do post abaixo, o médico Flávio Mussa Tavares postou o texto que destaco aqui em razão da relevância do depoimento:

"Oi Vitor,

Sou médico do CAPS III. É para mim uma alegria lidar com a clientela sofrida que faz parte de nossa rotina. Os CAPS foram instituidos no Brasil em 2001, na chamada Reforma Psiquiátrica que extinguiu os manicômios. 

Nossa clientela é a maioria oriunda desse sistema. São chamados clientes "institucionalizados", que pode ser traduzido como um paciente que não sabe viver sem a instituição. 
O CAPS III Romeo Casarsa, que foi protagonista de uma matéria veiculada no Jornal Nacional de hoje foi inaugurado em 2009. 
Temos mais de 300 pacientes, dos quais atendemos mais de 80 ao dia. 
Nenhum de nossos pacientes é acamado. Aliás, uma regra da instituição psiquiátrica é que o paciente esteja com o nível de consciência alerta e podendo andar. Caso sua consciência esteja apagada ou não consiga andar, configura uma caso clínico e não psiquiátrico. Nosso paciente é vertical. O paciente clínico é horizontal. 
Essa demanda é externa, isto é, não dorme na instituição. 
Mas temos sempre cerca de 6 pacientes internados, que geralmente permanecem lá em períodos de crise que não ultrapassam 7 dias. 
Essa clientela, que vivia em hospitais, vive hoje uma realidade que concordamos é pobre, mas não há indignidade. Nossa clientela recebe quatro refeições por dia (desjejum, almoço, lanche e janta), tem atendimento médico, psicológico, terapia ocupacional, música, fazem bijuterias e tem até uma grife: "Loucas por Acessórios". 
Essa clientela usa medicação sedativa. Eles passam o dia na instituição. Eles tem sono e deitam de dia. 
Nós não temos leitos para 20 ou 30 pessoas que não estão propriamente "dormindo", mas sim descansando, tirando uma soneca de dia. 
A forma como foram veiculadas as imagens sugerem que são pacientes internos que vivem amontoados ou que são acamados e estão sendo humilhados. 
Reconheço que não temos o espaço físico adequado, entretanto, o que se viu foi uma hora de descanso em que muita gente deitou em colchonetes no mesmo horário. Detalhe: o horário é diurno! 
Todos estes que estão ali repousando voltam para casa entre as 17 e 18 horas, após receber uma quentinha do jantar. 
O clima ali só é agitado quando alguns pacientes apresentam crises de agitação ou agressividade. Nesses momentos, o corpo de enfermagem contém fisicamente até que seja feita a medicação tranquilizante. 
Nunca vi ninguém ser humilhado, maltratado ou ignorado no Caps III. 
Faria mesmo um desafio. Gostaria que os repórteres da Globo entrevistassem os nossos pacientes. 
Seria uma forma sadia e madura de avaliar a instituição. 
De qualquer forma, eu me sinto honrado em fazer parte do corpo técnico do CAPS III, que no meu entender é de primeira qualidade e supera as dificuldades materiais, supera as dificuldades de lidar com o paciente mais marginalizado de nossa sociedade e supera as dificuldades de lidar com a intriga, a calúnia e a ingratidão."

sábado, fevereiro 23, 2013

Eu exoneraria o Secretário de Saúde

Secretário Geraldo Venâncio durante a entrevista - Reprodução TV Globo

Tão impressionante quanto as imagens obtidas pela produção da Inter TV para a matéria exibida na noite desta sexta no Jornal Nacional (veja aqui), sobre a situação enfrentada pelos pacientes do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em Campos, foi o modo displicente como o secretário de Saúde, Geraldo Venâncio, falou sobre o caso, com algo do tipo "segunda-feira mando alguém lá".

"Vou ver na segunda-feira" é uma resposta aceitável para bombeiros hidráulicos, para atendentes de cartório, para quem vai começar uma dieta ou situações congêneres. E, mesmo nestes casos, dependendo da urgência. 

Dizer isso em uma sexta-feira, diante da realidade mostrada pela reportagem, é o equivalente a afirmar: "esse pessoal aí pode aguentar mais dois dias dormindo no chão, não vou estragar o meu final de semana com isso".

Em que momento da vida um sujeito que é médico, e já foi até um bom vereador em tempos remotos, perde desse modo o senso de humanidade e de espírito público? 

Se eu sou prefeito, exonerava na hora! 

terça-feira, fevereiro 19, 2013

[croniquinha de segunda]

A pretexto de dizer que este blog ainda existe, lá vai uma croniquinha cometida por mim numa recente noite deste verão infernal...


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A minha casa

Vitor Menezes

Minha casa fui eu que fiz. Difícil explicar o prazer disso em tempos de tantas especializações. Mas o fato é esse: eu fiz. Sem arquiteto e sem planta aprovada na prefeitura. Sem engenheiro e sem cálculo estrutural. Havia pedreiros, claro, mas fui eu que tomei cada decisão, mesmo sem muita convicção.

Lembro de ter medido o terreno e esboçado os cômodos em folha de caderno. E contratado a mão de obra e comprado os materiais. Para a cozinha, imaginei uma janela que abrisse sobre um balcão de bar, e tive que desenhá-la na loja de madeiras para que o vendedor entendesse o que eu queria. Tive também que inventar modos de erguê-la feito uma ponte de fosso de castelo ao contrário, e comprar correntes que a sustenta quando aberta.
Descobri materiais que suportam altas temperaturas, para a churrasqueira, e tive que aprender a diferença entre rejunte e argamassa. Fiz escolhas entre sifão sanfonado e rígido, e preferi torneiras de plástico às de metal, em um ambiente exposto à maresia.

Um sentimento ancestral de erguer a própria caverna acomete alguém que constrói algo para si. Não é apenas material, é algo que se aproxima muito daquelas poucas áreas que associamos a algum sentido para a vida.

Lembro até que me esmerei nos erros, pois na casa há alguns que só poderiam ser cometidos por amadores, como eu, o que só faz aumentar o meu orgulho e identificar cada marca. Por exemplo, é minha, inquestionavelmente minha, aquela situação em que, ao procurar-se o interruptor de luz do banheiro, só é possível encontrá-lo atrás da porta. Nenhum arquiteto faria algo assim. Este erro é uma assinatura.

Estou na tinta escolhida, no material do forro, no escantilhado da porta, no local do quadro de energia, na capacidade da caixa d`água, na diagonal do piso e nos pedidos de ligação de água e energia. Estou na grama maltratada, na casinha do gás, no detalhe em pedra, no sumidouro da calha, no hidrômetro exposto e na caixa dos correios.

Por isso tenho a impressão de que ela nunca será, para mim, uma casa qualquer. Será, sempre, com toda a força que pode ter essa expressão, a minha casa.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

No Carnaval...

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