quarta-feira, abril 30, 2008

Cidade crônica

De Simone Pedro, hoje no Monitor Campista:

Res Circus

O netinho, no caminho de volta, com um algodão doce em uma das mãos e com a outra entregue ao avô, pergunta:
— Vô, onde foi inventado o circo?
E o avô prontamente responde:
— Aqui.
— Aqui onde?
— Aqui, oras, nesta cidade...
— Ah, é? Mas como?
— Ah! Nos treinaram tão bem! Toda aquela indumentária acetinada e bufante, toda aquela maquiagem... E a alegria então? Era uma das melhores alegrias assistidas em todo o tempo naquela cidade. Nossas faces brancas, nossos olhos grandes e brilhantes, nossos cabelos coloridos e nossos narizes... vermelhos! Toda esta festa, no entanto não poderia ser dada, assim, de forma gratuita. Nos fora dada a graça de sermos especiais, separados para uma grande missão: entreter e distrair o rei. Levar o superior-mor ao ápice da fantasia, distante da realidade. Para tanto, era mais que necessário que o céu fosse colorido com listras azuis, vermelhas e amarelas, preferências do rei. Assim, toda vez que o rei ordenava, homens vestidos de toga e com a cabeça coberta por perucas brancas (as coloridas eram exclusivamente nossas), nos traziam o céu colorido sobre a cidade plana. Era o início do espetáculo. Enfim, era chegada nossa hora. Rufavam os tambores e acendiam-se as luzes. Nós entrávamos ao som de apitos, cornetas e pratos.
Eram muitas as cambalhotas, eram lindas nossas piruetas... quanta vitalidade! Neste picadeiro, nos era permitido tudo, menos falar ao rei. Quem ousasse se manifestar ao ser supremo, além de perder a missão de ser palhaço, poderia ter a cabeça cortada.
— Verdade?
— Verdade....
Disse o avô, agora, com os olhos marejados.
Hoje, já um homem, o menino entende que o avô tentara lhe explicar que palhaçada é uma forma de viver politicamente.
E passou a acreditar também que, somente os palhaços choram (apesar de sua graça e missão) quando se apagam as luzes da ribalta.

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