sábado, novembro 06, 2010

Bienal é Campos em suspensão

Passei nesta sexta-feira cinco horas dentro da Bienal do Livro de Campos, primeiro dia do evento. Gostei do que vi e ouvi. Por todo canto há a sensação de que trata-se de um momento em que a cidade fica em suspensão, deixando de lado as suas questões menores, as suas disputas provincianas, para experimentar alguma forma mínima de consenso. Enfim, estamos diante de algo que é maior do que nós e faz valer a pena viver aqui.

Sobre a questão mais polêmica que cerca esta edição, que diz respeito à localização na Praça São Salvador, tenho a dizer que me parecem superáveis quaisquer objeções, algumas até bem razoáveis, quando se vêem corredores e atrações culturais lotados durante todo o dia.

É impossível não pensar que estão circulando por esta Bienal muitas pessoas que sequer sabiam que Campos realiza bienais. A facilidade no acesso está fazendo muita gente que está no centro por outros motivos, ou no trabalho, dar uma passadinha só para ver o burburinho. Pode ser alguém que nunca foi a um evento literário e de repente se vê naquele universo que mal sabia existir. Isso já vale o risco de ser na Praça.

Registre-se que os elementos da praça – ou o que sobrou dela depois da devastação das árvores e dos canteiros antigos – se integraram com harmonia ao ambiente coberto da Bienal. O monumento ao soldado desconhecido está particularmente incorporado, com bancos e uma exposição sobre Raquel de Queiroz à sua volta, como se fosse uma praça dentro da praça. Os postes com suas luminárias e cestas de lixo – deselegantemente lembradas com desdém pelo desagradável performático e pueril Michel Melamed – deram um ar de passeio público ao local, altamente condizente com a proposta de se fazer um evento popular.

Há problemas, claro. Um deles é a falta de isolamento acústico para os locais de bate-papo com os autores. O ótimo Café Literário de ontem, por exemplo, foi vez por outra maculado pela impossibilidade de ouvir bem os escritores Sérgio Sant`Anna e Carlos Ondjaki, que também tiveram dificuldades para ouvir as perguntas da plateia, entre um e outro ruído de automóvel, sirene de ambulância ou música do som do evento. Igualmente causava dispersão, e até uma certa aflição, o forte balançar da lona sob o vigoroso vento que vinha do Paraíba (o que mereceu comentários do angolano Ondjaki, que brincou sobre a hipótese de estarmos em um deserto).

Mas este tipo de problema se ajusta, ou se releva, e não chega a comprometer a grandiosidade do evento.

Falta clima no entorno

Algo que lamento é que o entorno não se mostre no clima da Bienal. Os comerciantes da cidade, em sua maioria chucros e que fazem jus à máxima de José Cândido ao referir-se genericamente ao campista – que não saberia a diferença entre uma poesia e uma ferradura – não se mexeram para estender a bienal para as ruas e comércios. Talvez tenha faltado criatividade e empenho da Prefeitura, também, para que isso ocorresse.

O único elemento de integração entre o entorno e a Bienal que tive notícia foi a boa ideia de promover uma mostra de cinema no auditório da ACIC (Associação Comercial e Industrial de Campos), no prédio ao lado da Praça São Salvador. Mas muito mais poderia ser feito, como acontece no Corredor Literário da Paulista, quando empresas, comércios e instituições de um trecho da lendária avenida de São Paulo se põem a desenvolver atividades literárias, gerando toda uma atmosfera cultural por quarteirões.

Performances no Terminal Rodoviário Urbano, passeatas poéticas pelo Calçadão, descontos para quem entrasse em uma loja e lesse um trecho de uma obra literária, livros pendurados em varais, bonecos de personagens literários andando pelas ruas, banners e faixas que estendessem a identificação visual da Bienal por todo o centro, palestras dentro da Catedral, esquetes dentro dos ônibus, mostras de artes plásticas nos saguões de agências bancárias, mini-shows musicais nas esquinas, telões para exibir as mesas de debates fora da tenda, visitas guiadas a prédios históricos do centro, entre tantas outras possibilidades, poderiam fazer a Bienal não se limitar à área coberta, gerando ainda mais integração com a comunidade.

As instituições, especialmente as de ensino superior, também precisam fazer mais do que burocraticamente abrigarem-se em um stand da Bienal. Elas poderiam contribuir com atividades culturais paralelas para ajudar neste clima que toda a cidade, ou parte dela, poderia viver. Não seria demais que cada uma adotasse uma atividade cultural no entorno.

Evento consolidado

Mas, em todo caso, é muito bom saber que a Bienal é hoje, ela mesma, uma instituição campista, que tem sobrevivido aos tantos e tantos governos que se sucederam desde 2000, quando da sua primeira edição. Melhor ainda poder supor que a sociedade saberá reagir se algum dia alguém se atrever a não mais realizá-la.

[Crianças da Rede Pública de Ensino na Bienal - Foto: Roberto Joia/Secom PMCG]

13 comentários:

Anônimo disse...

que isso, menês. palavras viram bala, rapaz; e de tiro ao álvaro.

moçoilo caçadoiro, você? não tenho minhas dúvidas, ainda que concorde que melamed é pueril e molecote.

inté.

jules cândido, o otimista.

Fátima Nascimento disse...

Vítor, a partir deste sábado estarei lá. Uma Bienal do Livro está acima de governos/governantes; de picuinhas políticas. Quando acontece um evento assim, ele tem que ser usufruído pela população intensamente.

Ótimas todas as suas considerações!

Bj

João Ventura disse...

A Bienal realmente está ótima. As atrações então, nem se fala. Porém, os problemas citados aí, sobretudo o barulho dos outros ambientes, prejudicam bastante. Sem contar que, é legendário, a falta de criatividade das próprias editoras de se fazer um algo além para chamar a atenção do leitor...

Confesso que, nada mais me agradou do que ver um palhaço entretendo algumas crianças, que estavam hipnotizadas por seus gracejos. Só essa cena valeu a Bienal inteira!

João Ventura disse...

Ah, e Michel Melamed, é um ótimo apresentador/ator, mas quero vê-lo assim, sempre através da tela, de longe, beeem de longe.

Ao vivo, nunca mais! O cara é um porre!

Auci disse...

Oi!

Ainda não estive pelo evento. Ontem trabalhei, no centro, fazendo um processo seletivo para um cliente,dentro da empresa dele. Sabe o que ouvi dele? "ainda tem essetroço na praça, tirando o movimento!" hã!!! fiquei nude! E nem pude falar nada na hora porque senão seria mais que "tiro ao álvaro" e aí, f***u! Mas fiz minhas considerações sobre a fala dele, assim cheguei a casa, por email, de forma mais "polida", digamos assim. Enfim, conviver com a "chucrice" dói, dói muito! Mas talvez seja mais útil e sensato pensarmos no que podemos fazer, de fato, pra tirar esse povo desse estado letárgico. Uma livrada na cabeça será que funciona? Me lembrei da cena do filme do Chico Xavier... dele levando "evangelhada". ahahaha!

abços

Graci disse...

Gostaria de acrescentar que os preços estão abusivos na Bienal. Eu e minha filha fizemos nossa lista, antes fiz uma pesquisa na Saraiva, Cultura, etc. alguns livros estão cobrando o dobro na Bienal. Fomos e curtimos as Chicas, mas vamos continuar fazendo nossas compras pela internet. O muito nos agradou é a programação que está muiiito boa!

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Campos! A Cidade das leituras todas e tantas!Eita! Dá-lhe Bienal! Que pena que em mais esta não estou... Mas por tudo que vi e ouvi, Campos estará lendo mais, não? Tomara! Ler é compreender o mundo ao redor.
Vitor, como sempre, detalhando de uma forma bem dele. Gosto de ler Vitor, apesar de não concordar com tudo. Mas desta vez, dou 9,9. hehe! Cê num me perguntou nada, né, Vitor?

Anônimo disse...

Custou cerca de 900.000,00 so o aluguel da mega tenda.Ficaria muito mais barato se fosse alugado uma estrutura como a do Automovel clube or exemplo,sem trazer maiores transtornos ao centro da cidade.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Engraçado, entendo o anônimo dar a idéia do Automóvel Club, entendo. Mas penso que ser na Praça fica mais fácil para todos perceberem a importância da leitura. Bem ali... na praça... no lugar de passar...e ver...

E demais a mais, sempre terá alguém para dizer que não foi bom assim e nem foi bom assado.

Mas é válida a consideração.

Quando estava aí em Campos, via a estrutura fechada e me lembrava da FLIP. Imagine o da Flip o valor, hein? Mas, olha, a Cidade gosta.
Vamos ver se a Cidade vai gostar desta estrutura na Praça.

Eu penso que foi pago não só a estrutura, mas a estrutura ali... na praça. Teve um preço isso.

Esses transtornos aconteceriam ali no Automóvel Club também, não? Falta de estacionamento... sei lá. Posso estar falando abobrinha. Detesto abobrinhar. Detesto. Se abobrinhei e falei do que não sei, desculpa aí. Vamos fazer um doce de abóbora, colocar na banda do côco, e pegar umas lascas da casca da cana para servir como pazinhas e distribuir entre leitores... uma provinha da abobrice de uma jumenta.
Ah, não esquecer de colocar umas fatias de coco no doce... ok? Hum... que delícia! kkkkkk

Marcelo disse...

Em cultura não se gasta, se investe! São 900 mil bem gastos. Ou quem está reclamando prefere shows? Que a maioria, de cultura não tem absolutamente nada. As outras bienais, nos governos anteriores foram de graça?

Anônimo disse...

Sou o anônimo 13:14 Sr Marcelo sou absolutamente contra o poder público promover shows,só acho que tudo que essa prefeitura faz tem de ser tão caro.Alias o senhor já esteve lá na bienal,os preços dos livros estão pela hora da morte, compare e comprove.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Quando que livro esteve pela hora da vida? Já comprou livro didático? É que o salário mínimo é mínimo mesmo, seu anônimo, mas os livros são caros!
É bom fazer um "ajuntamento de gente"( rsrs... ai Kabral??? Calma!) e cada um compra um e depois troca. É nessa base que brasileiro vai para frente.
Sim, porque sem leitura, além de moleque ( pode falar moleque?) não ir para frente ainda coloca o próximo para trás. Sim, gente sem leitura é sem visão, sem educação, sem argumentos, sem paciência e o escambau. É com "u" Kabral? Ai meu Deus... de que adianta tanta leitura se erro tanto ainda... Puxa vida! Mas vamos que chegaremos lá, ok?

olha a palavrinha: table

vamos por os livros na mesa e escolher os mais desabrochante, ok? Sim, um livro tem que ser vomo rosa: Desabrochar.
E não como repolho... que nos fecha o kengo.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Anônimo, já sei: barato é o trem bala. hehe!

users online