Campos deve ao Brasil um Museu Nacional da Escravidão. E seria pertinente se ele fosse feito no Solar dos Ayrizes, que poderá ser adquirido pelo município dos herdeiros da família Lamego. Esta não é a idéia inicialmente anunciada pela Secretaria Municipal de Cultura, mas bem que poderia ser considerada.
O secretário de Cultura, Orávio de Campos Soares, é mais simpático à idéia de fazer no local um museu de arte popular. O presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima prefere um museu do açúcar. Agora, proponho uma terceira alternativa.
Campos possui lastro histórico consistente acerca do tema. Foi cidade resistente à abolição da escravidão, e há registro de que teria sido a última a aceitá-la. Por outro lado, foi também berço de um forte movimento abolicionista — com a fundação, em 1881, da “Sociedade Campista Emancipadora” e a circulação de jornais simpáticos à causa —, além de ser terra natal de ninguém menos que José do Patrocínio.
Consta ainda que o solar dos Ayrizes inspirou o escritor mineiro Bernardo de Guimarães a escrever “Escrava Isaura”, romance de 1875 traduzido para vários idiomas e que, ao ser adaptado para novela em 1976 — filmada em Conservatória e em Vassouras, no sul do estado — , foi assistida em mais de 150 países.
Toda a trama da escrava Isaura se passa em Campos, cidade citada 15 vezes no livro, que começa assim:
“Era nos primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II.
No fértil e opulento município de Campos de Goitacases, à margem do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos, havia uma linda e magnífica fazenda.”
Um Museu Nacional da Escravidão no solar dos Ayrizes poderia combinar o acervo remanescente da época com a reunião das muitas pesquisas sobre o assunto. Ser um local de visitação e de estudos sobre o período. E, ao mesmo tempo, ter um forte apelo turístico — inclusive internacional, dada a repercussão do romance e da novela.
Se for tomado o cuidado de conceber e executar a implantação de um museu de fato, com gente competente para tal e com o envolvimento das universidades e centros de pesquisa — para que não seja apenas um aglomerado de peças antigas —, certamente o Solar dos Ayrizes se tornaria um local de referência no Brasil sobre este período da história brasileira que cobre cerca de 300 anos, dos pouco mais de cinco séculos que tem o país.
O museu também poderia se prestar ao registro e acervo de toda a herança afro no Brasil, incluindo as suas muitas manifestações culturais — como o jongo, tão caro ao secretário Orávio de Campos.
Creio que seja possível um diálogo franco com a sociedade sobre esta possibilidade, envolvendo o conselho de cultura e todos os interessados. E já imagino o dia em que, com a presença de Lucélia Santos — atriz que interpretou a escrava branca na versão televisiva da história — a cidade poderá inaugurar um novo espaço de preservação da cultura nacional.
[Artigo publicado hoje no Monitor Campista]
domingo, março 22, 2009
Museu Nacional da Escravidão no Ayrizes
Postado por Vitor Menezes às 10:09 Marcadores: ayrizes, cultura, Gaveta do Povo, monitor campista
5 comentários:
Boa Vitor!
Campos precisa - carece - de museus. Sem história um povo não é nada. Acho curioso quando as pessoas voltam de viagens a europa e ficam dizendo: "Que lindo Paris, com suas casas antigas, museus históricos, arquitetura medieval." e aqui, no brasil, valorizam o 'novo'. Quantas casas são derrubadas todo ano em campos pra dar lugar a prédios? A Praça São Salvador foi totalmente descaracterizada para dar lugar ao conceito de moderno e novo, hoje ninguém fica lá ao sol escaldante do meio dia...
Deixo aqui a quarta proposta: façam museus do açúcar, da escravidão e da cultura popular. Dinheiro não falta... mas não esqueçam do concurso público!
Ótima idéia!!!
Já pensei também na transferência do arquivo público municipal pra lá... o acesso ao atual arquivo é muito difícil para os estudantes, pois não existe transporte coletivo regular pra lá.
Um "museu da escravidão" pode honrar uma dívida histórica da sociedade brasileira com este período.
Justamente nos mesmos moldes de um "museu do holocausto" tal proposta pode fazer com que certas facetas de nossa construção nacional não sejam jamais esquecidas. Sobretudo as perversas.
Tomara que a idéia vingue!
E concordo com o Yuri. Com concurso, observando o mérito e com critérios transparentes, republicanos. Como a coisa pública deve ser.
Maravilhosa idéia!
Um sobrado centenário com perfeito equilíbrio de forma que tanto chama atenção quando se passa a sua frente. Imponente, com suas palmeiras enormes dando um visual digno de que ali se fez história e que guarda uma cultura já desconhecida pelos nossos jovens. Construído no início do século XIX, por ordem do Comendador Cláudio do Couto e Souza e nos remete a um passado de lutas e conquistas.
Será que vale a pena abrir mão de uma verdadeira preciosidade em função de um modernismo? E porque não começarmos a pensar e planejar a médio e longo prazo em fazer da nossa Campos uma terra onde o turismo será a sua mola mestre?
Valéria Petruci Terra.
E um crime o descaso dos autoridades ara com o solar dos ayrizes.
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