Aconteceu que o nosso bravo campista José do Patrocínio quase tomou uma bengalada. Não conhecia a história. A encontrei dia desses durante a leitura de Cale a boca, jornalista! (Novo Século), de Fernando Jorge. A obra mostra como, na história brasileira, poderosos de todos os tipos, defensores de distintas ideologias e interesses, de monarquistas a republicanos, chegando aos coronéis da recente ditadura militar e até mesmo ao início da Nova República, empreenderam ataques contra jornalistas, respondendo com violência física a força da palavra escrita.
E um dos muitos casos lembrados é o de Patrocínio, que num distante 2 de junho de 1883 descia a escadaria do Teatro Dom Pedro II, no Rio, quando ouviu o som de uma pancada. Era o de uma bengalada que errara o alvo, e tornara ainda mais ridícula a cena de um deputado geral por Minas Gerais, que viria a ser o futuro conde Afonso Celso Júnior, e a sua bengala espatifada na parede.
Arma quebrada em punho, o deputado pôs-se a pedir a prisão de Patrocínio, chamando pelos guardas. Mas, até de modo inesperado, dada a tradição autoritária brasileira, os policiais acharam por bem conter o próprio parlamentar.
A fúria de Afonso Celso contra Patrocínio se deu em razão de artigo do jornalista publicado na Gazeta da Tarde. O abolicionista defendia o seu jornal das acusações que fizera Celso na tribuna do parlamento nacional. O deputado havia se referido à Gazeta usando a expressão “imprensa pornográfica”.
Ardiloso, virulento, Patrocínio respondeu com pena ácida. Lembrou do caso em que o deputado, ainda estudante de Direito, em São Paulo, “se arvorou em padre, para casar uma moça e introduzir a desonra no seio de uma família honesta”. E respondendo dizendo não responder, o jornalista ironizou a linguagem utilizada no ataque do parlamentar.
“Desejávamos responder ao sr. Afonso Celso Júnior na mesma toada com que se referiu à imprensa. Mas esta linguagem de Praia do Peixe, se pode ser exercida no recinto da representação nacional, não pode ter lugar na imprensa que se peja em converter-se em lavanderia de Zola”, escreveu, utilizando referência a um livro de Émile Zola.
A militância abolicionista de Patrocínio reservava ainda outros dissabores. No dia 4 de janeiro de 1885, a mando de escravocratas, um grupo de aproximadamente cinquenta homens invadiu a tipografia da Gazeta da Tarde com o propósito de quebrar tudo. Os funcionários resistiram e a confusão se formou. A polícia foi chamada, e apareceu com dez praças de infantaria e vinte de cavalaria, mas os agressores haviam fugido.
Era época de eleições distritais e, no dia seguinte, apesar dos estragos, a Gazeta circulou. E, claro, registrou o que acontecera: “Inúmeras pessoas que estavam na nossa sala de redação, à espera do resultado das eleições, protestaram contra o ato indigno, de ser mais uma vez a imprensa livre desrespeitada pela turbamulta assalariada pelos inimigos da liberdade”.
Como bem sabe o leitor, alguns anos depois destes episódios, em 13 de maio de 1888, a escravidão foi, ao menos formalmente, abolida no Brasil.
[Artigo publicado, em parte, na edição de hoje do Monitor Campista. Atualizado no blog às 11h35 para correção do nome do livro citado, que é Cale a boca, jornalista!, e não "Cala", como publicado inicialmente]
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