Eu ainda não poderia votar. Tinha 15 parcos anos. Mas militara com tanta intensidade que a minha ausência na urna poderia ser compensada pelo difícil trabalho de convencimento político. Devo ter conseguido uns votinhos. E devo ter, ainda que mínima, uma participaçãozinha na importância daquele primeiro instante de ousado enfrentamento dos preconceitos e desconfianças que pairavam sobre a candidatura de um certo sindicalista barbudo, especialmente em uma cidade conservadora como Campos.
Era novembro de 1989. Há exatos 20 anos, portanto. Em poucos dias se daria a primeira eleição direta para a Presidência do Brasil após a redemocratização. E eu, como tantos outros “companheiros”, como nos chamávamos, da Juventude Petista e do Movimento Estudantil – havia sido presidente do Grêmio da então ETFC (Escola Técnica Federal de Campos) – tínhamos a consciência de estar fazendo história.
Talvez este seja um dos maiores legados daquele PT: a ideia de que os trabalhadores, os cidadãos comuns, podem, sim, mudar o rumo dos acontecimentos.
E o fazíamos com trabalho árduo, produzindo manualmente, por exemplo, o material de campanha no comitê da Rua Barão da Lagoa Dourada – onde hoje funciona uma escola –, mas também com muita festa, como a “Lulambada” e o “Rock Brasil Popular”.
As disputas entre as correntes, os debates, as longas reuniões, os ensinamentos dos mais experientes, tudo aquilo era incrivelmente estimulante.
E havia o jingle da campanha, um dos mais bonitos de todas as disputas eleitorais recentes, que deve emocionar muita gente até hoje: “Passa o tempo e tanta gente a trabalhar, de repente essa clareza pra notar, quem sempre foi sincero e confiar, sem medo de ser feliz, quero ver chegar, Lula Lá, brilha uma estrela, Lula Lá, cresce a esperança, Lula Lá, num Brasil criança, na alegria de se abraçar...”.
Outro jingle que emocionava era o de Roberto Freire (PCB) – “Salve o povo brasileiro, salve a paz nesse País, com Roberto presidente o povo vai ser mais feliz”. E havia figuras como Mário Covas, Fernando Gabeira, Ulysses Guimarães, Paulo Maluf, Guilherme Afif – do coreografado “juntos chegaremos lá” –, Aureliano Chaves, Ronaldo Caiado e até uma inacreditável candidatura relâmpago de Silvio Santos, além da estreia gritante de Enéas Carneiro. O leque era de tal modo amplo e democrático que 22 candidaturas estavam à disposição do eleitor.
A disputa nos campos de esquerda era tão apertada que no dia 14 de novembro, véspera do primeiro turno das eleições, o Datafolha apontava 15% das intenções de votos para Lula e 14% para Brizola. Collor estava folgado na frente com 26%.
E o inacreditável aconteceu: por diferença apertada de votos – 11.622.673 (16,08%) a 11.168.228 (15,45%) –, Lula, do temido PT, tomou o segundo lugar do lendário, e não menos temido, Leonel Brizola, do PDT, e foi para o segundo turno com Fernando Collor de Melo (PRN), que obteve 20.611.011 votos (28,53%), e viria a ser o presidente que o País se arrependeria de ter eleito.
Hoje, falar em militância lembra vinculações não muito saudáveis. Embora continue sendo vital para a democracia o envolvimento dos jovens na política, dificilmente se repetirá aquela pureza de propósitos e de convicção ideológica. Ou esse é apenas um papo típico de quem não é mais tão jovem?
Seja como for, segue a memória. E a esperança.
[Artigo publicado na edição de hoje do Monitor Campista]
domingo, novembro 01, 2009
Vinte anos depois
Postado por Vitor Menezes às 10:00 Marcadores: Gaveta do Povo, política
5 comentários:
Vítor:
Postei esse artigo no blog, desculpa a liberdade, pois tratamos levemente desse tema recentemente e gostei tanto do texto e da reflexão que vem à tona q achei p bem divulgá-lo.
Abs
Eu era crianca tb na epoca. E muito importante recontarmos esta historia recente, pois so assim e possivel aprender, ver o que deve ser recuperado daquela empolgacao e as licoes que se devem tiraras do processo em seu todo.
Passou um filme na minha cabeça agora. Vivi tudo isso aí. Não posso me esquecer do comício do Lula no calçadão às 11 hs. da manhã. Passamos a noite toda colando cartazes no caminho que o Lula faria do aeroporto até o centro, eu, ravengar, o cirurgião Amaury e outros tantos que não lembro agora. Arrumei um cantinho no caminhão que serviu de palanque, ali, bem do lado da banca de revistas. Foi de arrepiar. Inesquecível
Muito legal ler esse texto vindo de você. Durante alguns momentos em nossa distante amizade cheguei a suspeitar que essa memória havia se apagado de sua cabeça, mas vejo que elas resistiram aos cabelos. Muito bom isso.
Me lembrei dessa campanha também. Eu tinha apenas 11 anos, mas me lembro: "dois patinhos na lagoa, vote Afif 22"... e também: "... Aureliano é muito verdadeiro, e o brasileiro vai ser mais feliz / Dignidade e austeridade, é disso que o Brasil vai precisar / por isso vamos de Aureliano, em Aureliano o povo vai votar"
"La, la, la, la, la Brizola / La, la, la, la, la Brizola / O voto no Brizola, só pode nos trazer / um tempo bem melhor pra se viver...
Sabe aqueles DVDs dos Engenheiros de que falei outro dia? Pois é, tenho um do show do Hollywood Rock ou Rock in Rio II (não me lembro), em que eles tocaram, antes mesmo de ter sido lançado o disco "O Papa é Pop", a música "Era um garoto...". Na hora do solo, quando o Augusto Licks faz aquela improvisação com vários hinos, como o da independência, ele tocou dois jingles: "olê, olê, olê, olá... Lulááá, Lulááá" e esse do Brizola...
Maravilhoso o ano de 99 e os que se seguiram... o pesadelo começou no início dos anos 90, sobretudo após o governo Itamar e a entrada do Brasil no neoliberalismo, ou, a entrada do neoliberalismo no Brasil...
Abração!
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