Se não for o próprio leitor, como eu, um dos raros proprietários de um daqueles carrinhos estranhos da Gurgel, é possível que já tenha visto um deles pelas ruas. Eles parecem ter saído de um filme de época, alguns são meio parecidos com caixas de fósforos, outros com furgões desajeitados, e fizeram relativo sucesso nas décadas de 70 e 80.
Se design não era o forte da Gurgel, todo o restante compensava. E, neste ano de 2009, quando no próximo 1° de setembro porventura alguém se lembrar da passagem dos 30 anos da fundação da empresa, o Brasil poderá render homenagens a um pioneiro em muitos aspectos.
João do Amaral Gurgel, o cérebro e o sobrenome por trás da marca, a julgar pela sua biografia recentemente publicada (Gurgel – Um Brasileiro de fibra (Alaúde), do jornalista Lélis Caldeira), antecipou muitas tendências que viriam a ser incorporadas pelo setor automobilístico.
Se só agora os Estados Unidos declaram guerra aos carrões beberrões, ele já o fizera com seus projetos a partir da inauguração da fábrica em 1969. Determinado a criar veículos adaptados às condições brasileiras, seus jipes pequenos e econômicos, com mecânica rude da Volkswagen, eram concebidos para suportar os piores trancos das estradas em má conservação ou até da ausência de estrada.
A carroceria de fibra o transformou em modelo muito utilizado também nas praias brasileiras, já que ele, como um buggy, encara a areia sem problemas. No modelo encomendado pelo Exército, havia até uma pá presa à porta, para o caso de ficar atolado – além do rústico cabo de aço enrolado na frente da série Xavante.
Outro aspecto do seu pioneirismo custou a própria existência da empresa. Gurgel achava a industrialização brasileira muito concentrada no Sudeste, e também avaliava que era caro manter a distribuição dos seus carros no Nordeste do País, onde eram bem aceitos. Daí que desenvolveu o projeto de uma fábrica no interior cearense, nos anos 90, e firmou parcerias com os governos federal e dos estados de São Paulo e do Ceará, na época comandados respectivamente por Itamar Franco, Luiz Antônio Fleury e Ciro Gomes, para obter financiamentos para a produção.
Por motivos misteriosos, mesmo após assinado um protocolo de intenções, os três voltaram atrás e cancelaram o repasse de recursos. E quis o destino que um personagem que viria a ser muito conhecido no Norte Fluminense, o empresário Eike Batista, também ganhasse um papel não muito honroso nessa história. Foi ele quem deixou o empresário esperando por toda uma manhã, e depois não o recebeu, na última tentativa de Gurgel de encontrar um parceiro para levar adiante o seu projeto de produzir um carro 100% nacional.
A Gurgel teve falência decretada em 1996. E João Amaral, que sofria do Mal de Alzheimer e não mais guardava na memória os seus grandes feitos, morreu aos 82 anos em 30 de janeiro passado.
[Artigo publicado na edição de hoje do Monitor Campista]
domingo, maio 24, 2009
Os 30 anos da Gurgel
Postado por Vitor Menezes às 10:15 Marcadores: Gaveta do Povo, gurgel
Um comentário:
Amado, o blog "ser jumentinho" foi bloqueado, agora este é o mais novo blog: http://blogandooglobonarealidadeespiritual.blogspot.com/
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