Há muitos e muitos anos, prefeitos e munícipes consideravam natural que o governante de turno estampasse seu nome em bancos de praça, marquises de ônibus e até em calçadas. Até que apareceu alguém para denunciar a evidente utilização de recursos públicos para a promoção pessoal.
Também há muitos e muitos anos, em prefeituras interioranas e em outras nem tanto, prefeitos e munícipes consideravam natural que, assim como na Idade Média, livros publicados sob custas do erário tivessem textos de apresentação de suas excelências mandatárias quando da ocasião da impressão. Alguns até incluíam suas belas fotos na contracapa.
E há não muitos anos, um certo governador de província achou por bem batizar com o nome da antecessora uma ponte construída em seu berço político, sua sucupira eleitoral, e ficou por isso mesmo.
Agora, quando ansioso abro as páginas do livro do bravo Hélvio Gomes Cordeiro — “Carukango – O príncipe dos escravos” — me deparo com uma certa “Palavra da prefeita”, comprovando que a confusão entre público e privado é convenientemente mantida por quem dela se beneficia.
Quando da edição do “Contos da Terra Plana”, livro que organizei com o jornalista Jorge Rocha, este inconveniente foi elegantemente evitado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, que esboçava uma forma mais impessoal de seleção dos livros a serem editados, com a criação de um conselho editorial e de uma editora – a Mana Chica, ideia que acabou não saindo e espero que seja retomada. O livro tem outros problemas, mas ao menos deste, especificamente, foi poupado.
Agora, a Fundação Zumbi dos Palmares decidiu “editar” o livro do Cordeiro, o que é muito louvável. O amadorismo na edição, no entanto, continua imperando. Além da cafonice e do despropósito da “palavra da prefeita” e do prefácio do presidente da Fundação, a obra não tem Isbn, nenhum esquema profissional de distribuição ou venda, e dificilmente será descoberta por outros pesquisadores país afora.
A Prefeitura de Campos, por meio de seus órgãos culturais, precisa entender que pegar o trabalho de um autor, dar uma revisada, entregar para um design gráfico e depois mandar para a gráfica não é o mesmo que editar uma obra. Faz tempo que o município poderia ter uma editora de verdade, com profissionais realmente do ramo, com política de publicação definida, com critérios impessoais e, claro, abolindo de vez anacronismos como a “palavra da prefeita”.
Isso é necessário até mesmo para que se eleve o padrão de exigência para publicação, para que sejam valorizados os autores locais, para que suas obras contem com tratamento adequado e para que os livros tenham a chance de alcançar a visibilidade que merecem.
[Artigo publicado na edição de hoje do Monitor Campista]
domingo, julho 19, 2009
A palavra da prefeita
Postado por Vitor Menezes às 10:24 Marcadores: cultura, Gaveta do Povo, livros, prefeitura de campos
4 comentários:
Outra coisa que incomoda é aquela foto do prefeito (a) na sala de entrada de repartições públicas, postos de saúde, secretarias...
Concordo vitor.
Prezado Vitor,
Em 2006, criamos (até incorporando algumas de suas propostas) de forma impessoal,técnica e democrática o tão reivindicado Conselho Editorial da FCJOL.
Seu regimento passou pelo crivo da Procuradoria Geral do Município e, como requer todo e qualquer ato do Poder Público, foi publicado no DO do Município.
No processo, envolvemos todas as instituições universitárias de Campos, que através de uma lista tríplice, nos apresentaram seus possíveis representantes. O Conselho Editorial, ao longo de 2006 e 2007, por diversas vezes, reuniu-se e indicou trabalhos literários de variadas temáticas e origens, para edição.
Entre eles, o Contos Terra Plana...sem que nenhum rapapé fosse exigido por nós como moeda de troca em preâmbulo jeca oficial.
É. Faço só um registro, para que não perdure 'ad eternum' esta exaustiva sensação de "enxugar gelo" e "enxugar gelo".
cordialmente,
Luciana Portinho
É verdade, Luciana. Tomara que esta ideia da editora seja retomada, e com os mesmos critérios impessoais. Era muito boa. Abração!
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