Auditório vazio às 9h em ponto. Foi o horário marcado para o início da oficina de crônicas do escritor Moacyr Scliar, na última sexta-feira, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. Às 9h10 ainda está em cinco o número de pessoas que o aguardam. Às 9h15 entra um homem e instala um microfone no palco. Pouco depois, às 9h19, outro participante chega.
São agora seis as criaturas que iniciam alguns resmungos sobre o costume brasileiro do atraso. Um mais exaltado diz um “isso me mata” às 9h26 e sai do auditório. Especula-se sobre a possível ausência do escritor na Fundação. Duas professoras da rede pública trocam impressões sobre aposentadoria e sobre os terríveis alunos dos tempos atuais.
Forma-se um grupo na porta. Outros, mais disciplinados, continuam sentados. O ambiente formal não parece adequado para uma oficina de crônica. Há muitas cadeiras para poucos espectadores. Há um ar condicionado em 17° que, para padrões campistas, faz lembrar a Sibéria – embora provavelmente esteja ao gosto do escritor, acostumado aos invernos do Sul do País.
Tem-se a sensação de que o grupo está sendo mantido sob vigília. Um daqueles testes feitos pelos recrutadores em gerências de recursos humanos. Alguém está filmando tudo, só pode. Faz parte da oficina. Querem saber quem tem paciência para aguardar, quem é capaz de se relacionar com o tempo como se o relógio não existisse, quem tem acuidade para observar detalhes para contar depois. Querem saber, parece uma hipótese plausível, quem dali pode ser cronista.
Seguramente os organizadores fazem anotações num outro ambiente, de onde monitoram os participantes por meio de câmeras escondidas. Observam o que lêem, o que conversam, do que reclamam, como se vestem e o modo como recostam na cadeira. Verificam se há bocejos ou, ao contrário, sinais de excitação com a espera. Pedem closes para saber se os pés balançam, se as faces se contraem, se as mãos agitam os dedos com impaciência. Gravam tudo para depois exibir na oficina, supõe-se.
Às 9h32 alguém sugere que aquela espera daria uma crônica. Previsível, portanto.
Mas foi então que um dos participantes, o que levemente exasperado havia deixado o auditório, volta com a notícia de que a oficina começara em outra sala. O pequeno grupo se desloca, às 9h43, e encontra um ambiente bem menor, mais quente e acolhedor, com mais gente, onde um pontual Scliar já iniciara as apresentações, com a rodada tradicional do quem é, o que faz e por que está ali – como se estas fossem questões fáceis de serem respondidas.
Como que por ironia, Scliar fala sobre a necessidade de escrever “para neutralizar a angústia da passagem do tempo”. E também são feitas algumas considerações sobre a busca pela imortalidade, inclusive sobre a mortalidade dos imortais.
Inicia-se a oficina propriamente dita. E a crônica do atraso inexistente se faz.
[Publicado na edição de hoje do Monitor Campista]
domingo, julho 26, 2009
Não é o que parece
Postado por Vitor Menezes às 10:59 Marcadores: cultura, Gaveta do Povo, literatura
Um comentário:
To rindo de verdade...
Muito bom, parabéns... queria deixar aqui o nome de uma crônica que gosto muito, criada exatamente assim... mas tenho o péssimo costume de esquecer os títulos!
Bjs,
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