quarta-feira, janeiro 22, 2003

O Jornalismo ainda é o Quarto Poder ?
Para esboçar uma resposta, capaz de incluir maiores dados e conclusões, é necessário que se reveja o conceito de cidadania. Particularmente, não costumo usar esse termo para definir qualquer situação ou característica dentro da vida social. Isso por conta de tamanha deturpação que foi feita em relação a esse termo, de maneira sistemática — e, como todo bom jornalista, sou paranóico: não sei até que ponto isso foi planejado e calculado desde a “invenção” desse conceito. Prefiro usar o termo “questões de vida social”, que abrange ligações sócio-politico-econômicas, respeitando e analisando cenários e atores sociais, permitindo ainda que se observe e influa — ao mesmo tempo, em boa parte dos casos – em diferentes situações. Não é mera implicância, como pode até parecer, em um primeiro momento. Assim, o que se convulsionou, quer dizer, convencionou chamar de cidadania, eu posso interpretar, de maneira bastante simplificada, como a construção contínua — e não manutenção, o que implica em estagnar e não almejar conquistas — de um modelo de vida sem desigualdades. Uma construção somente é possível ser feita com a junção de conhecimento com atitude, conforme podemos pontuar como a própria raiz e noção de qualquer trabalho jornalístico ou exemplificar com trabalhos do nível de Cláudio Júlio Tognolli, para nos atermos a apenas um jornalista. Um bom exemplo da aplicação desse conceito pode ser dado também com os movimentos sociais, como o MST, ou os movimentos de luta por moradia ou relativos à situação dos meninos de rua, que trabalham a Comunicação Social com mecanismos próprios. Grosso modo, sem peleja, não pode haver o que se chama de cidadania.
Então, será que o direito de todos os cidadãos pode ser preservado quando o que está em jogo é o ofício de informar ? O caro amigo Alexandro F. já me fez esta pergunta certa vez. Minha resposta continua a mesma: dos cidadãos, eu não sei. Quanto ao “direito” dos atores sociais — eu, você, aquela senhora lá na esquina, o sujeito que acabou de perder o emprego, aquela menina que encara jornada dupla de trabalho e ainda encontra força e tempo para saudável indignação —, acredito que pode haver muito mais do que preservação, nesse caso. Um dos primeiros passos, para nos mantermos, no momento, em algo básico, é estar pronto para analisar e avaliar as facetas possíveis da imprensa. Há o péssimo gosto, o costume execrável, de tratar a imprensa de maneira maniqueísta, ao sabor dos ventos. Uma hora ela nos parece um monstro monolítico de um olho só, boca gigantesca e dentes afiados, pronta para devorar o que resta de nossos cérebros e vontades; em outra hora, a vemos com uma espécie de anjo da guarda, pronta para fazer expiações, vingando os injustiçados e punindo os injustos. Quando a imprensa, na verdade, pode ser isso tudo ao mesmo tempo agora. Não se engane, sempre vai haver o que eu ando chamando de “jornalismo de interesse”. Lógica acachapante: tudo na vida é movido por interesse; então, por que o jornalismo também não seria ? Eu mesmo não estaria escrevendo este artigo se não houvesse algum interesse.
Como instrumento que é, a imprensa vai ser usada de acordo com este ou aquele fim, de acordo com cada caso. Cabe às pessoas mais comprometidas em trabalhar com as “questões de vida social” saber como utilizar o espaço em que trabalham para, de maneira direta ou indireta, colocar esta ou aquela análise, interpretação, comentário ou abordagem — e, em determinados momentos, estar prontas para encarar os resultados disso. O que, convenhamos, nenhuma escola de Comunicação Social ensina. Na verdade, isso pode ser – e é – usado em casos diferenciados, em situações de lados opostos. Há casos, percebidos ao analisar friamente matérias jornalísticas, em que o dado fundamental para a compreensão daquele assunto está enfurnado no meio do texto, ocultando ou minimizando sua importância. O que precisamos é saber como interpretar os motivos que levam a adotar esta forma de escrita, conforme sempre pontuou Aloysio Biondi. Aí que está a graça do jornalismo — desculpem, meu humor é diferente. Cabe ainda ressaltar que há uma diferença enorme entre “interesse” e “compromisso”, embora ambos estejam envolvidos pelo conceito de ética — tanto para o Bem quanto para o Mal. O primeiro norteia a forma como a notícia será veiculada — todos os veículos de comunicação fazem isso, desde os “jornalões” até os alternativos; para que existe o manual de redação ? O segundo tem a ver com características pessoais e visão particular do mundo, essas coisas que podem ainda — ou cada vez mais — parecer utópicas ou fruto de romantismo jornalístico demodê. Isso é engraçado, no meu caso, porque o que eu menos sou, em se tratando de notícia e opinião, é chegado a romantismo. Noam Chomsky, pensador anarquista, faz coro com a mídia independente — em todas as vezes que fale sobre informação e contrainformação, ele ressalta: “jornalismo alternativo sempre”. Toda pessoa que se aventura a trabalhar Comunicação Social, tem que estar sempre buscando equilibrar estes dois lados. Não vejo uma fórmula específica e salvadora para realizar isso a contento, mas o eterno coro dos descontentes, encarado desse jeito, não me parece de todo tão mal.

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