Na ponta dos dedos
Vinte de janeiro. Mais uma data do calendário. Um dia que seria comum entre os 364 ou 365 outros de 12 meses inteiros. Passaria quase despercebido não fosse comemorado São Sebastião, abençoadamente padroeiro da mais maravilhosa de todas as cidades. Para uma dolorosa e sofrida minoria havia também um sentimento vazio, feito pênalti perdido em final no Maracanã, por ser aniversário de morte de Mané Garrincha.
Agora aos cariocas e botafoguenses (incluindo aí boa parte dos torcedores de outros clubes que também idolatram o “futebol-arte”) juntam-se os amantes da crônica esportiva. Futurólogos acreditam em coincidência numérica. Sem aprofundamentos em crenças, o que não cabe neste espaço, fica mais fácil chamar de destino o fato de Oldemário Touguinhó ter deixado órfão o jornalismo esportivo também em vinte de janeiro. E foi o deste ano.
Ele nasceu em Campos, tornou-se homem no Rio e escreveu para o mundo. Touguinhó, alvinegro roxo, é mais um personagem do vigésimo dia do primeiro mês do ano. Foi para a velha máquina de escrever como Garrincha sempre esteve para as chuteiras. Era só questão de ajuste rápido. O resto vinha com o sopro nato do talento infinito. Conviveram juntos em épocas e situações. O primeiro descrevendo as peripécias do segundo.
Aproveitaram, cada um a sua maneira, o glamour do Rio antigo. Mané entortando um João a cada domingo, virando um copo em cada esquina e tendo um filho em cada quarto. Oldemário, mais comedido, ia ao samba. Eram festas particulares, íntimas, talvez até solitárias como a estrela do Botafogo de ambos. Foram à Copas, venceram, alegraram-se e tornaram mais feliz o povo brasileiro.
Eles têm um pouco de São Sebastião. Tatuaram uma espécie de bênção ao esporte brasileiro. Bailaram sutilmente entre diversas situações. E nas pontas dos dedos. Garrincha com os dos pés; Oldemário, com os das mãos. Viveram no Rio de Sebastião. E se foram em janeiro, como uma espécie de complemento eterno ao local onde viveram e se perpetuaram. Justamente, cabalisticamente, exatamente no mesmo vinte de janeiro, 20 anos depois.
Hoje são 27 de janeiro. Hoje pode quase ninguém mais lembrar. Afinal, ontem foi dia de Flamengo em Campos. Clube-vítima de Mané na cidade-origem de Touguinhó. As semelhanças dessa história ficam a 280 quilômetros. É lá a terra de São Sebastião, conturbada como toda grande metrópole. Não fosse assim, espíritos como os de Garrincha e Oldemário desprezariam o céu. Iam preferir o Rio de Janeiro e todas as suas ofertas.
segunda-feira, janeiro 27, 2003
Postado por Anônimo às 21:15
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