terça-feira, abril 27, 2010

Carnaval campista: problemático, feio e promissor

A precariedade das agremiações carnavalescas campistas e o desânimo evidente da maioria dos que desfilavam e dos que assistiam podem induzir a conclusões precipitadas sobre o Campos Folia, o carnaval fora de época da cidade, que terminou no último final de semana.

Ouvi fartas vezes algo do tipo: acaba com isso, para quê existir essa coisa horrível?

E cada vez que ouvia algo do gênero pensava no impacto de se ter, agora apenas pela segunda vez, toda a pobreza material e criativa exposta para a classe média campista, que não resistiu a uma espiada na transmissão da TV Litoral ou se aventurou nas arquibancadas da Alberto Lamego.

Entre as virtudes da mudança na data Carnaval campista está justamente essa: agora há maior exposição e, consequentemente, maior cobrança. Tanto para eficiência dos gastos e para a lisura dos repasses de recursos quanto para a qualidade do espetáculo apresentado.

Dizer para “acabar” com isso é um elitismo besta que não se sustenta em bom senso. Feio e desorganizado do jeito que é, o Carnaval campista é a maior expressão cultural do município, envolvendo aproximadamente 25 mil pessoas. Isso é mais do que o teatro, a música, a literatura e as artes plásticas conseguem mobilizar juntas na cidade.

Nas primeiras edições do Monitor Campista já havia registros da festa em Campos, documentando o fato de que o Carnaval da cidade existe há pelo menos 175 anos.

Parece mais sensato pensar em enfrentar o problema da precariedade, consolidar nos próximos anos o carnaval fora de época, promover a organização e a profissionalização das escolas, e começar a colher os frutos daqui a cinco ou dez anos.

A Secretaria de Cultura do município planeja para maio a realização de uma segunda edição do seminário sobre o Carnaval. No ano passado, o evento foi a primeira tentativa de colocar o mínimo de ordem na casa. A julgar pelos protestos às vésperas da festa, não houve tanto resultado assim, mas já foi um começo.

Na forma dos repasses, ainda que por vias tortas — e que devem ser corrigidas —, houve uma tentativa de estabelecer um maior controle sobre a terra de ninguém que operava na relação entre entidades carnavalescas e o poder público. O mini choque de ordem foi igualmente um avanço. Talvez gere algum efeito sobre a organização das escolas e bois para o próximo ano.

Também deverá contribuir para consolidar e organizar o Carnaval campista a construção do Cepop (Centro de Eventos Osório Peixoto) — sigla feia para uma justa homenagem — ainda que toda vigilância, como sempre, se faça necessária em relação aos custos do projeto.

Segurança negociada

O que não se pode é fazer de conta que o Carnaval, enquanto expressão de cultura popular, não existe na cidade. E não é destruindo-o que acabarão com os problemas a ele associados, incluindo a ameaça de insegurança e o domínio do tráfico de drogas sobre as comunidades.

Se hoje, como ocorreu com o jogo de bicho no Rio de Janeiro, até mesmo o poder público precisa ter atitude condescendente com várias “lideranças” comunitárias, é porque, de fato, elas exercem algum tipo de poder que as outras esferas públicas não dão conta de neutralizar — incluindo a polícia.

No futuro, quem sabe, com mais visibilidade, com mais organização, com mais pessoas sentindo-se, nas comunidades, incentivadas a fazer Carnaval, os atuais donos da segurança da festa não perderão espaço e prestígio? É preciso disputar, com presença do estado, todos os espaços atualmente dominados pelo arbítrio de forças paralelas, assim como ocorre em muitos outros ambientes da vida social.

Campos parece ter desistido de si mesma em vários aspectos. São exemplos dramáticos disso o abandono à memória e ao patrimônio histórico, a impotência diante do cinismo silencioso que cobriu o assassinato do Monitor Campista, a apatia da cidadania e o baixíssimo espírito público dos nossos políticos. Mas, ainda assim, não é o caso de desligar os aparelhos. Qualquer possibilidade de reabilitação só poderá partir de um mínimo de alma existente na nossa identidade cultural. Do contrário, deixaremos de ser uma cidade para nos transformar em um aglomerado de casas.

[Foto: Secom PMCG]

3 comentários:

Anônimo disse...

O BEM AMADO!

Direto do Cine PE, Guel Arraes analisa sua versão para 'O bem amado'


O GLOBO: Mas houve um modelo para o Odorico Paraguaçu de Marco Nanini?

ARRAES: Odorico não é ninguém específico. Imagino até que, na criação de Dias Gomes, ele fosse mais parecido com o Getúlio, que já havia se matado em 1962, quando a peça estreou, ou com Jânio, em seu modo particular de falar. Nanini, em sua composição, ainda acha para ele um ar de JK. Mas eu não sei se Odorico é um político tipicamente nordestino, apenas. Ele poderia ser um político do estado do Rio, de Campos, tipo o Garotinho. Ou poderia ser um político do Sul do Brasil. Minha preocupação era de que ele não transformasse o filme em uma paródia de ninguém. O filme não é paródico. Ele é uma sátira do Brasil político.


Está agendada para 23 de julho a estreia de "O bem amado".

Auci disse...

Cobrança eficiência dos gastos e para a lisura dos repasses de recursos quanto para a qualidade do espetáculo apresentado...promover a organização e a profissionalização das escolas... Sim. Mas por que não na época em todos comemoram? Até mesmo para que as pessoas que aqui vivem possam escolher ficar aqui e prestigiar. ATé mesmo para que possamos receber pessoas de outros lugares.
Fora de época, sinto muito, nem fruta é boa. Aliás, diga-se de passagem, a opinião não tem caráter particular, porque não curto carnaval nem na época pré-estabelecida, quanto mais fora de época. Gosto de samba, mas não de carnaval. Mas respeito e reconheço a sua importãncia como manifestaão cultural.

Vitor Menezes disse...

Dona Auci, não achei a mudança de data ruim não. É claro que seria melhor se fosse no período correto, mas seria muito mais difícil recuperar o Carnaval campista disputando atenção com muitas outras atrações, até mesmo regionais. Fora de época, é possível até fazer o contrário: trazer um pouco das atrações de fora para conviver com as da cidade. E tudo se torna mais barato e passível de reaproveitamento. Sobre atrair plateia de fora, o feriadão de Tiradentes com São Jorge ajuda, pelo menos para o estado do Rio. Creio que foi uma boa opção para fortalecer as agremiações locais. Vamos ver no que dá... Bjos!

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