domingo, julho 05, 2009

Menino do campo

Um dos primeiros assentados que conheci nesta semana, em uma experiência de trabalho no Assentamento do Contestado, na cidade de Lapa, no Paraná, foi o menino Douglas, de 8 anos, que, antes de falar seu nome ou tentar qualquer outra forma mais usual de aproximação, foi logo dizendo: "sei ler". Nem mesmo um "oi" houve antes disso.

Foi então que tive a real dimensão do que aquilo significava na vida daquele garoto e o quanto pode representar na vida de tanta gente. Douglas, poucos instantes depois da inusitada forma de apresentação, me perguntou se eu gostaria que ele lesse o banner que serviria de fundo para a mesa do evento da noite.

Era uma tarde gelada, que os locais chamavam de quente, e eu zanzava pelo assentamento. Aquele menino que clamava por minha atenção de um modo tão particular, no entanto, me fez interromper o meu roteiro de reconhecimento da área. E se pôs a ler palavras complicadíssimas, com significados que talvez nem saiba ao certo, como "Soberania" e "Descriminalização".

Meninos como Douglas não costumam estar relacionados ao Movimento Sem Terra, quase sempre descrito nos noticiários como "invasores". Sua experiência de aluno de uma escola municipal dentro de um assentamento, sem que isso se choque com o aprendizado de pertencimento ligado à própria causa que lhe garante o sustento material e simbólico, não é um tipo de história comumente narrada pelo jornalismo.

É claro que crianças de 8 anos da classe média brasileira já estão aptas a ler, mesmo as palavras que não compreendem, como Douglas. Mas o milagre do menino assentado é o de que, não fosse o MST, seu destino provavelmente não seria o de alguém que se orgulhe desta capacidade.

No mesmo assentamento funciona a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), fundada 2005, por meio de um projeto que envolveu a Via Campesina, os governos da Venezuela e do Paraná, a Universidade Federal do Paraná e o próprio MST, "com o objetivo de estruturar uma rede de intercâmbio entre os camponeses da América Latina e ampliar a luta em defesa da soberania alimentar dos povos", como apresentam.

Depois do ensino tradicional, portanto, Douglas terá a oportunidade de aprender uma forma alternativa de agricultura, que produz os alimentos orgânicos que ele já consome, e compreender que este pode ser um caminho para um mundo que gaste menos energia para produzir a comida de cada dia.

Distante cerca de 70 km de Curitiba, o Assentamento do Contestado mantém várias outras parcerias com o Governo do Paraná e com outras entidades e instituições. Ele é um dos exemplos de um lado do MST que não aparece no Jornal Nacional, mas é mais comum do que se imagina. E mesmo no Norte Fluminense, bem perto de nós, um Douglas pode estar sendo salvo pelo movimento.

[Artigo publicado na edição de hoje do Monitor Campista]

10 comentários:

Vitor Pepicon disse...

Belíssimo relato, Vitor. Que bom que um momento como este não escapou ao seu senso crítico. Parabéns.

Guilherme Póvoas disse...

Parabéns pela cobertura do evento.

Anônimo disse...

Parabéns peço trabalho, sensibilidade e compromisso.
Campos deu um passo em direção à educação do campo, quando realizou a I Conferência de Educação do Campo.Não faltaram excelentes argumentos para que se inicie pra ontem investimentos para viabilizar um projeto voltado para este setor.
Estamos aguardando e torcendo para que o poder público comece a viabilizar o que realmente interessa a população.
Abraços.

Vitor Menezes disse...

Valeu, senhores. Abração!

Anônimo disse...

Tocante o relato. Interessante a experiência. Entretanto, não se pode esquecer que o MST tem uma política anti-direito, afrontando abertamente o estado democrático com desculpas revolucionárias autoritárias e predatórias. O próprio MST mantém "cartilha" onde ataca a fonte de seu sustento e programa revoltas com o fim de desestabilizar a democracia. Isso é intolerável e deve ser combatido de todas as formas possíveis.
Infelizmente, inocentes servem de linha de frente, onde dirigentes inescrupulosos não se instalam preferindo trafegar nas hostes do poder e da mis-en-scene midiática.
O MST é um grupo subversivo e violento, ainda que tenha uma campanha bonita de "terra, paz e pão".

Jane Nunes disse...

"...E nós entremos nessa terra e não vamos sair... nosso lema é ocupar, resistir e produzir!!! E produzem muito mais que arroz, feijão, trigo, milho etc etc.
Belo trabalho Vitor.

Anônimo disse...

Vivas ao MST!!!
A visão do(a) anônimo(a) das 20:37, reflete o conservadorismo dos que interessam e a idéia de terrorismo que é vendida propositalmente para desqualificar, com visão destorcida, o movimento mais organizado que o país possui.
"... Ocupar, resistir e produzir!!!
Abr, e mais uma vez, parabéns.

Sáles disse...

Sensacional, Seu Vitu! Seria uma excelente pauta pro ce publicar naquela Brasileiros.

Anônimo disse...

É muito poético, mas sinceramente tenho muito medo do MST. Já defendi muito o MST, mas hoje em dia tenho receio do que estão se tornando. Torço muito pela igualdade, mas invadir terras produtivas e destruir prédios públicos não são atitudes corretas.

Vitor Menezes disse...

"Naquela" Brasileiros, seu Sáles? Olha lá como fala rapaz! Mais respeito! kkkkk

users online