sexta-feira, julho 08, 2011

Um artigo indispensável para entender o caos de Campos

Reproduzo abaixo artigo do professor Renato Siqueira, originalmente publicado aqui no Blog do Roberto, que considero essencial para pensarmos acerca da negligência para com o planejamento urbano de Campos:


A cidade de cabeça prá baixo

Renato Siqueira*

Concluí a faculdade de arquitetura e urbanismo, no Rio de Janeiro em 1990, e me lembro claramente da frase do paraninfo da turma: “O século XX é um século perdido, se temos facilidades no dia-a-dia, uma vida de qualidade, devemos dar graças aos avanços conquistados no século XIX.” Sendo assim, nenhuma frase se encaixa melhor no contexto político de Campos dos últimos vinte anos, do que a célebre dita, no século XIX, por Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar a alguns por todo o tempo. Mas não se pode enganar a todos por todo o tempo.”

Naquela ocasião, anos 80/90, Campos consolidava sua luta pelos royalties do petróleo para anos mais tarde, a partir de 1997, dispor das transferências destes recursos para serem aplicados na infra-estrutura geral da cidade visando atenuar os impactos relacionados à extração do petróleo e todas as atividades que seriam atraídas. O aspecto urbano da questão será o foco de nossa reflexão, haja visto que de lá para cá nada substancialmente mudou: há carência de infra-estrutura, especialmente de equipamentos e mobiliários urbanos, a aglomeração urbana continua desordenada em bairros surgindo

quase que espontaneamente, em meio aos vazios urbanos, e a população caminha sem esperanças de qualificação e bom emprego “pendurada” no comércio e na prefeitura. Não estaremos fazendo uma avaliação sócio-econômica, pois existem várias devidamente feitas por pessoas mais qualificadas do que eu.

O cenário urbano de ocupação que tínhamos, não contava com os atuais bairros: Parque Esplanada, Parque Alphaville, Parque Julião Nogueira, dentre outros, a Avenida Dr. Sílvio Bastos Tavares (Estrada do Contorno) era a partir de pouco mais adiante do DNIT, um caminho de terra batida e esboçava um viaduto em meio ao canavial, feito no peito e na raça por Dr. Raul Linhares, em sua administração. A UENF, teve em 1989, a inclusão de sua previsão na Constituição Estadual, por mobilização da sociedade organizada, não existindo portanto os condomínios fechados e bairros de seu entorno. A Avenida Pelinca era uma sequência de residências, algumas escolas e terrenos vazios –

chequei a jogar bola onde hoje é o Centro de Compras e estudei onde é o ParqueCentro Shopping. Não existiam, também, o Bairro Flamboyant, o Parque Imperial e bairros vizinhos. Campos aglomerava-se nos bairros próximos ao Centro Histórico, Turf Club, IPS, Parque Leopoldina, Parque Rodoviário, Parque Guarús, ao longo das margens da Ferrovia, do Rio paraíba do Sul e da Avenida 28 de Março. A área nobre era o Parque Tamandaré. Dois eixos determinavam a ocupação, sendo o primeiro ao longo da BR-101 Norte, polarizado por Travessão e outro em direção ao litoral – baixada campista, polarizado por Goytacazes. O cinturão das usinas canavieiras continha a expansão urbana horizontal, desta forma, a solução foi aumentar o adensamento nos vazios urbanos e iniciar o processo de verticalização, via PDUC de 1979, porém as áreas priorizadas continuaram sendo as impróprias ao desenvolvimento urbano, ou seja, o lado direito do Rio Paraíba do Sul, pois a área adequada, segundo a geologia, ao desenvolvimento urbano é a norte do município, margem esquerda, onde está o Distrito de Guarús, vitimado pelo preconceito e descaso do planejamento, com a direção indicada pelo Plano Urbanístico de 1944, descaso este que propiciou o adensamento hiper-desordenado, com pouca infra-estrutura conforme constatações atuais. Guarús é cenário, inclusive, de um dos maiores crimes ambientais: aterro e urbanização da Lagoa do Vigário.

Hoje, o ambiente global do município contempla todos os bairros que mencionamos, apenas preenchendo os vazios urbanos - com o Alphaville na sua versão III, por exemplo – também a implantação da Avenida Alberto Lamego se destaca, sendo o cenário agravado pelo intenso processo de verticalização, que tem na Avenida Pelinca seu exemplo maior, expandindo-se o seu novo alvo nas adjacências do Parque Pelinca e Parque Leopoldina, este que mudará o perfil de ocupação diante da nova Avenida Perimetral Arthur Bernardes e da forte centralidade imposta pelo verdadeiro Shopping

Center que fora recentemente inaugurado sem a devida responsabilidade do poder público municipal, de forma conturbada, prejudicando e colocando em risco de vida vários moradores, pelo improviso do acesso. Todos os bairros apresentam sérios problemas, como exemplificam as reportagens de um jornal local, especialmente a de 17 de junho de 2011, sobre o Parque Julião Nogueira.

Anúncios na liberação de milhões são feitos e as ênfases das aplicações estão nas remodelações duvidosas de praças, Conjuntos Habitacionais com infra-estrutura das ruas, lotes e calçadas comprimidos, em desacordo com a Lei de Parcelamento, obras do Canal Campos-Macaé, além de um Centro de Eventos mal implantado. É a cidade de cabeça prá baixo, na medida em que ao contrário de remodelar as praças os recursos deveriam contemplar reformá-las e criar Parques Urbanos Municipais, de modo a garantir as reservas estratégicas de arborização urbana, principalmente na qualidade de vida das pessoas que caminham e se exercitam em meio aos veículos, diariamente, respirando monóxido de carbono. Continuamos carentes de equipamentos urbanos adequados, como Parques Urbanos, Praças, Centros Culturais, Hotéis, Hospitais, Teatros, Museus, Biblioteca, Jardim Botânico, Jardim Zoológico, Áreas Públicas de estacionamento rotativo, bicicletário, etc. Também, o Mercado Municipal está abandonado, ignorado, sem o devido tratamento. Idem para Parque Alberto Sampaio.

Outro evento que entra para os de improviso e má aplicação de recursos, se refere aos Conjuntos Habitacionais, cujo a infra-estrutura viária pretere os seus moradores do mesmo direito à cidade dos demais cidadãos, lá as ruas e calçadas são menores do que a Lei determina, os lotes de esquina idem, mas não é de se espantar devido a ingerência da EMHAB, que opera na ilegalidade, diante do Art. 105, II, do Plano Diretor Municipal, pois tem em sua estrutura de comando técnica e organizacional um lamentável exemplo de desconhecimento e despreparo para o enfrentamento das questões relativas à habitação, urbanização e saneamento. O ponto positivo está restrito as rotas acessíveis implantadas nos passeios públicos destes conjuntos, certamente um feliz acidente.

As obras da Avenida José Alves de Azevedo, sofrem do mesmo sintoma, trata-se de uma obra mal idealizada do ponto de vista urbanístico e paisagístico, que muito comprometerá a identidade urbana da cidade pelo “camuflar” do Canal Campos-Macaé, patrimônio histórico, em vez de valorizá-lo.

Isso sem falar que mais parece “obra de igreja”, pois se arrasta por longo tempo causando transtorno, poluição e engarrafamento diário, com fator de custo-benefício ruim. O Centro de Eventos Populares, CEPOP, levará sérios problemas de fluxo viário, e de turismo, devido a estar em local que induz o trânsito pelo interior do município, em detrimento do uso das avenidas perimetrais, sem qualquer infraestrutura da rede hoteleira, transporte e de serviços. Chama a atenção, principalmente, por estar

localizado em zona residencial de baixo impacto, como foi aprovado? Foi feito estudo de impacto de vizinhança ? Passou por análise do Conselho Municipal de Meio-Ambiente e Urbanismo? Entendemos que é produto da inconsequência e vaidade, como a ponte da Avenida Hélio Póvoa, empurrada goela a baixo, crivada de contra-indicações pelo Conselho Municipal de meio-Ambiente e Urbanismo à época, Conselho que está travado e emudecido atualmente, para não dizer omisso.

O município que já teve na construção de quiosques em praças o símbolo medíocre de qualidade do mobiliário urbano, não muda amigos e, continua de cabeça prá baixo. O mais incrível é que atualmente não se pode sequer usar o surrado argumento da falta de recursos, eles existem, cerca de três milhões por dia e são pessimamente utilizados. O momento é de investir na infra-estrutura de energia, água e esgoto, T.I. e transporte, especialmente, por ser este indutor de desenvolvimento, para garantir renda à população devido aos novos investimentos e empreendedores, atraídos pelo capital internacional que já aportou, confluente com a lógica urbano-territorial brasileira, mas a cidade está de cabeça prá baixo e obstruções como as das Avenidas Messias Urbano (Guarús), São Fidélis (Leopoldina), Princesa Isabel (Alphaville), Nossa Senhora do Carmo (Capão), sequência de condomínios fechados na Avenida Nilo Pessanha, construções ilegais nos afastamentos frontais dos lotes, mobilidade urbana prejudicada, ausência de alternativas inter-modais de transporte, representam sérios desafios a serem suplantados para que tenhamos um município que não apenas preencha vazios, embalado pelo engodo, mas que ofereça novos horizontes com qualidade de vida e oportunidades aos seus moradores de hoje e de amanhã, e verdadeiramente se desenvolva, dependendo de a sociedade organizada reagir, senão queridos, teremos que aprender a viver com os morcegos, afinal a cidade está de cabeça prá baixo!

* Arquiteto, urbanista, perito técnico e professor.

Um comentário:

Demofilo Fidani disse...

Ou seja, a cidade é feia mesmo, uma bagunça só, tipo terra devastada. Excelente artigo; pena que são poucos os que enxergam isso. Ainda bem que pulei fora daí a tempo...

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