Sereníssimo
Vitor Menezes
O disco V do Legião Urbana toca pela sexta vez. Mauricio gira no copo espesso a sétima dose de um old eigth. São nove da amanhã, mas ele e seu apartamento ainda vivem a madrugada insone. Dez anos, como pôde não ter notado que tudo caminhava para o fim?
Letícia nem notara seus passos de zumbi noite adentro. Dormiu e acordou com os seus compromissos de trabalho. Às onze já havia respondido a doze e-mails e despachado treze caixas para a exportação. Com sorte, almoçaria às duas da tarde.
Antes eu sonhava, agora já não durmo. Quando foi que competimos pela primeira vez?
O sol ultrapassa a fresta da cortina e corta a face de Maurício, que agora dorme no sofá. O calor o faz sonhar com a aridez da terra de “O Quinze”. Uma criança faminta se aproxima e lhe estende uma lata amassada. É retirado da cena pelo estrondo gospel de um adolescente da vizinhança, fã do Apocalipse 16.
A cabeça lateja e ele mal consegue se erguer. Tudo gira na sala e é com extrema dificuldade que dá dezessete passos até a sacada. Uma vizinha gostosa de dezoito anos acena do prédio da frente. Maurício retribui com má vontade. Ainda pensa em Letícia.
Agimos certo sem querer. Foi só o tempo que errou. Vai ser difícil sem você. Porque você está comigo o tempo todo.
Não haverá retorno. Ela não mais o encontrará. Ele providenciará apenas rápida carta com algo em torno de dezenove ou vinte linhas, para dizer o que ambos já sabem. Depois, com serena convicção, perderá vinte e um gramas.
5 comentários:
Menês,
li seus sete parágrafos e sete vezes me emocionei. São sete e quarenta e nove e percebi aqui que há, setenta vezes sete, um escritor genial.
Parabéns.
juls rmt
Amigo Vitor,
O duplo sentido não faz sentido!
Suas crônicas às segundas-feiras são de primeira...
Abraços,
Walnize
Juleco, o que me emociona é um elogio seu. Sempre espalhei por aí que você é o melhor escritor da geração terra plana. Brinca assim comigo não (rs). Walnize, seu carinho e leitura sempre presentes são destes fatores que nos dão força para continuar com essa bobagem de escrever. A culpa também sua (rs). Bjs
Seu Menezes
Como dizia Thomas Mann, para que ler os bons se podemos ler os melhores?
Sensacional, meu caro. É uma delícia ler a mais viril e difícil forma de metáfora... (O Borges de The Craft of Verse amaria, mas isso é outro papo)
Abração!
Sthevo, assim você me assusta (rs). Abração!
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