A possibilidade
Vitor Menezes
Quando a possibilidade do tombo se deu, Francisco não a desperdiçou. Percebeu o desequilíbrio e assumiu completa consciência da situação. Uma queda, enfim. Um momento de verdade.
Estava em uma escada suja de óleo, em trabalho asco de limpeza de tanque gigante. A sequencia poderia ter sido confundida com comédia pastelão, não fosse o pontiagudo cenário industrial. Manuseava um destes equipamentos que lançam fortes jatos de água e, tamanha a pressão, houve o instante em que mangueira escapou da sua mão, serpenteando pela lateral da parede de ferro antes de atirar-se para a inundação do piso, e ele se desequilibrou. Uma falha, enfim. Uma centelha de humanidade.
Admirou-se em sua projeção metros abaixo, e enquanto caía pensou na providência que precisaria tomar para requisitar cópia das imagens do circuito interno de segurança. Iria querer rever com frequência aquele mergulho.
Foram cinco fraturas. Uma delas provocou a imobilização da mão direita, o que o afastou do trabalho. E, quando não está revendo os vídeos, é para ela que ele olha detidamente sempre que quer se lembrar daquele momento, o mais feliz da sua vida.
Nos dias de maior ânimo, Francisco até pensa em se entregar a um novo mergulho, mas sabe que não haveria a mesma beleza se a queda fosse intencional. Por isso, anda por aí se arriscando, passando sob marquises decrépitas, dirigindo displicentemente, voando por empresas aéreas pouco recomendadas, atravessando áreas violentas nas madrugadas e, sobretudo, limpando tanques gigantes.
Quando mais uma possibilidade aparecer, ele novamente não a desperdiçará.
segunda-feira, junho 06, 2011
[croniquinha de segunda]
Postado por Vitor Menezes às 00:02 Marcadores: croniquinha de segunda
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