sexta-feira, março 07, 2014

[crônicas urgentes]

Bolo de Chocolate

João Paulo Arruda

Fica óbvio pra mim que a aventura acabou quando a segunda viatura azul e amarela fecha a BR-101 e sou obrigado a frear. Saio do carro completamente nu, mas não me dou ao trabalho de levantar as mãos. Nem de usá-las pra tapar os ovos. Na verdade, para eterno horror dos bravos agentes, vou caminhando pela linha amarela contínua e aproveito para ultrapassar os limites, todos, do bom senso enquanto requebro e berro: "Kátia Flávia!". Talvez seja aí que tenha acordado o cantor. Ele desce com duas das velas, duas das 39, já acesas, e sorri enquanto lança. O pavio dá o tempo certinho dos canas se abrigarem ao lado da estrada. A dinamite explode o carro do xerife. Os policiais que vinham logo atrás perdem um tempo precioso encagaçados. Eu assumo de novo o volante. O bigodudo de volta ao banco do carona. Ele tem o bigode e a gaita. Mas Burt Reynolds sou eu. Acelero muito para furar a tela do cinema e comer o asfalto, a BR-101 e a distância. Agarra-me se puderes, é o que penso, para não pensar no quiseres.

O bigodudo está no carro comigo por causa do lance do puteiro. Em dado momento da aventura, bateu aquele bom senso e parei à beira da BR. Em Casimiro de Abreu. Pareceu-me um lugar adequado. Não que eu seja poeta. Mas de depressão entendo. E a cidade é uma merda. Logo... Juro que estava desistindo. Mas aí a puta tentou sorrir. E era tão falso o sorriso que me veio Roberto Carlos avisando: não arrisco na banguela. Coração de novo disparado, corri pro carro. Pelado. O bigodudo, que obviamente nao era apenas um cantor, veio junto sem dizer nada e ocupou o banco dele.

Cuidado com a porra do bolo, avisei.

Dez minutos e uma viatura berrando enlouquecidamente atrás da gente depois, ele só comentou distraidamente sobre velas.

Nunca perguntei como ele sabia que era meu aniversário. E a quantidade de velas exata que devia levar. Se ele sabia isso, sabia também que não sei dirigir. E que o bolo, não o carro, era roubado.

Deu-se que mais cedo, naquele dia, entrando na padaria, estava na cabeça o "Feliz aniversário / envelheço na cidade." Mais tristeza do que ira. Aí notei o bolo. De chocolate. Peguei, dobrei a Mendes Tavares correndo, entrei ofegante na Barão de Cotegipe e vi um velhinho sentado na calçada, uma cuia de esmola e uma viola na mão. Ele me deu a chave do Escort azul marinho, agradeceu as moedas e cantou uma música que esperava uma história: "Não pare na pista / é muito cedo pra você se acostumar / Amor não desista..."

Entre uma coisa e outra, meu aniversário indo embora, comecei a cantar "a gente corre / na BR 3 / a gente morre / na BR 3".

E por mais que eu acelerasse, nunca chegaria a Campos em tempo.

O bigodudo gastou todas as velas restantes imitando Tonho da Lua, explodindo a estrada e mantendo os policiais à distância.

Ele também sabe que ninguém corre assim por causa da Rutinha. Mesmo que chegue atrasado.

Já não era mais cinco de março quando entramos. Abandonamos o carro, consegui, de algum jeito, um paletó de linho branco, que em algum lugar do passado, lá em Campos já foi flor. E sentamos à beira do caminho, pra pedir carona, de volta pro Rio.

Pelos olhos dele percebi imediatamente que procurava palavras pra me consolar, sei lá, dizer que a aventura não foi em vão. Que sempre teremos Paris. Pra evitar isso, pedi, logo depois de lembrar que não sabia o nome dele, do bigodudo:

Toque outra vez, Sam!

Quero a sessão de cinema das cinco, pra beijar a menina e levar a saudade, na camisa toda suja de batom...

2 comentários:

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

http://www.origemedestino.org.br/blog/johannesjanzen/?post=40






João Paulo Arruda, já que você freiou em frente a viatura "Azul e amarela"...rsrs... que tal, antes de saborear o "bolo de chocolate" , e, assim nu ( é sempre bom nos desnudarmos de nossos preconceitos), pararmos para ler e REFLETIR sobre esta questãozinha básica num tempo de tanto engano e pouca verdade?

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Eu "acho" (desculpa, detesto "achismos...") que sua a-ventura começa agora...)
Avance a BR sem medo de dar de cara outra vez com a viatura "azul e amarela"...

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