segunda-feira, julho 01, 2013

[croniquinha de segunda]

A solução

Álvaro Marcos

O carro para no sinal. Vem uma lourinha de mais ou menos um metro e sessenta e cinco. Aquele tipo que passa despercebida em uma festa mas que, invariavelmente, acaba virando o pescoço masculino para trás nas calçadas. Era uma, entre centenas, de distribuidoras de folhetos da cidade. A calça jeans justíssima, curvilínea, abaixo da linha da cintura, chamava mais atenção que o tal papelzinho anunciando uma loja de informática com todo tipo de computadores e acessórios.

Vidro do motorista abaixado, mão esticada, e um rápido olhar no panfleto, que logo vai parar sobre o painel. Ajeita o retrovisor, vê o filho de seis meses dormindo no bebê conforto preso pelo cinco de segurança no banco de trás, pisa a embreagem, passa a primeira e acelera. Segue com a mania de dirigir apenas com a mão esquerda, enquanto a direita fica sobre o câmbio. O calor é intenso. Nem o ar-condicionado dá jeito. Põe no dois, no três... Aperta o botão da circulação.

Deixa o neném com a mãe dele porque tem que treinar. Para variar, está atrasado. Chega ao estádio esbaforido mentalmente. Aos 32 anos, 13 de futebol profissional, sabe que o rendimento não é o mesmo. Bom foi quando, aos 19, arrancava pela esquerda, dava um corte seco no beque na diagonal da grande área e já batia firme na bola, sem chance para o goleiro. Fazia isso até nos recreativos de sábado pela manhã sem se importar quem tinha pela frente.

Agora tem que jogar com a cabeça. Recuou do ataque para ser o quarto-homem-de-meio-de-campo. Ainda lida bem com os dois pés. Cabelo ralo, feição madura, é chamado de "tio" pela molecada que saiu recentemente dos juniores. O preparador-físico, um sujeito mais novo que ele, já está lá no círculo central. Apito na mão, ordena "piques-curtos" entre as balizas fincadas no gramado. Um exercício chato, mas que tem como finalidade aprimorar o "jogo-de-cintura" dos atletas.

Pensa no filhote, na separação, nas brigas com a ex-mulher... Lamenta ter perdido a grande chance da carreira, quando foi vendido para o time da capital ainda novo. Lá até que foi bem. Depois perdeu espaço por causa das noitadas e, especialmente de alguns "rabos-de-saia". Bonitão, fazia sucesso fora das quatro-linhas também. Devorava tudo que lhe era apresentado. Foi parar no Nordeste. Rodopiou ainda pelo interior do Rio Grande do Sul indicado por um técnico fã de seu estilo agressivo.

Cotovelos na cobertura do banco de reservas, observa a movimentação. Não aguenta mais ter que dar explicações sobre sua vida pessoal para justificar as ausências no horário marcado. Simular contusão é feio e contra seus princípios. Faz o sinal da cruz. E cara de poucos amigos. Ouve um "vem correr com a gente". Dez voltas no circuito improvisado. Alguém comenta sobre o sol. Diz dois "e aí" e um "foi mal" a manhã inteira. Embaixo do chuveiro, refresca a alma.

Almoça no restaurante de um dirigente do clube, acompanhado do herdeiro resgatado poucos instantes atrás dos braços da avó. Mais uns carinhos no baby e é hora de levá-lo embora. Troca meia dúzia de palavras com a ex. Sorri quando o porteiro do prédio onde morou diz que apostou em um gol dele no fim de semana. Perde dez minutos de prosa com o camarada, um negro alto, que até daria um bom zagueiro pelo porte atlético. Sozinho, parte novamente. Sem muito destino, dessa vez. De tarde, sempre gostou de tomar uma cerveja. Mas a taxa elevada de ácido úrico não deixa.

Passa no mesmo cruzamento do início da manhã. E lá está a garotinha sapeca, ainda com algumas folhas. Dá uma espiada mais insinuante e se surpreende quando ela o fita. Massageou seu ego de macho. Imagina as peripécias da qual não é capaz. Estaciona em frente ao rio que corta a cidade ao meio. Não sabe como agir agora. Uma coisa é certa; mesmo com o baixo salário e todas as dificuldades que virão, não concorda com o aborto que a namorada, grávida de quatro semanas e meia, quer fazer.

Um comentário:

Afonso Guedes disse...

Maravilha de texto... parabéns!

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