sexta-feira, fevereiro 07, 2003

[usina de idéias]
Que maldade vil é esta ?

Com a coluna de hoje, estou tentando me redimir. Acabei de ler Angu de Sangue, livro de Marcelino Freire, e ainda tento me recuperar do baque. Tento me redimir não do baque em si, mas de não ter lido este livro antes, precisamente em 2000, ano em que a Ateliê Editorial o lançou. Mas isso é um mero detalhe: o que interessa é que a literatura que Marcelino Freire pratica é incômoda. E eu agradeço por isso. Como ele mesmo parafraseia Ariano Suassuna na abertura do livro: tem que se ouvir “cada palavra como um tiro ou uma facada”. E é justo esse efeito que o caro escritor aqui resenhado provoca, com uma facilidade de deixar pasmo qualquer incrédulo de plantão. A crueza das narrativas – e o apuro com que a oralidade crava as unhas em cada página – mostram um universo de desilusões cotidianas, em uma intensidade que nós acabamos deixando de registrar no cotidiano. E que ele ajuda a desvelar novamente.

Arapuca armada
Com esse livro em mãos, você há de concordar comigo: Marcelino Freire é um cara ardiloso. Como se não fosse suficiente disparar jabs textuais na cara dos desavisados, ele ainda se cercou de caros amigos para não poupar o leitor – este coitado – das expiações que atormentam os escritores. O projeto gráfico – a cargo de Silvana Zandomeni, com fotos de Jobalo; aplausos para eles – é uma mostra de trabalho primoroso; encaixe perfeito entre imagem e texto. Não há separação, não há pausa para respirar entre um e outro. Uma pequena obra-prima ao alcance das mãos e dos olhos. Mas, lá vai um aviso de amigo (?): não tente encarar Angu de Sangue com o estômago fraco. Pois é justamente por aí que ele começa a te atacar. É sintomático: depois, o alvo é sua consciência. Não se pode esperar menos de um livro que torce entranhas – de quem ? você vai saber ... – com seus personagens que nos parecem familiares.

Combustível
Marcelino Freire

Típica figura que executa – muito bem – mil idéias ao mesmo tempo. Essa talvez seja uma boa descrição da personalidade de Marcelino Freire. Além de ter idealizado a Coleção Cinco Minutinhos – verdadeira reunião de textos de fôlego – e co-editar a revista PS:SP, ele ainda encontra tempo para escrever em seu blog, abrindo espaço também para outros autores. E, como se não bastasse: para maio, está previsto o lançamento de BaléRalé, parceria da Ateliê Editorial e da eraOdito editora. Um verdadeiro adepto da máxima “o império se expande”.

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