No entanto, se move
Estou caindo fora desta terra plana, contaminado que estou por Belo Horizonte, cidade onde vai nascer meu filho. O guri Eduardo, mistura mais do que bem-vinda de mineira com norte-fluminense, não terá muito por onde escapar, uma vez que a mãe também é escritora - oi, Ana Elisa Ribeiro. Vai ficar cercado de livros por todos os lados e ... Peraí ! "Também" ? Que "também" é esse ? Sim, hereges de plantão ! Este "também" está aí porque eu não abro mão de me auto-intular "escritor", com muito orgulho. Mas muito mesmo. Com mostarda e maionese, por favor.
É preciso explicar algo sobre este que vos escreve, para melhor entender este texto. Não faça essa cara xexelenta; essa explicação é estritamente necessária. Vamos à ela: sou um cara obcecado. Tenho essa mania feia de querer pensar, planejar, discutir, reavaliar e produzir literatura. O que me levou a procurar, até mesmo por força da profissão de jornalista, pessoas que tivessem esta mesma necessidade. Cutucando daqui e dali, surgiram intercâmbio de informações e amizades sendo concretizadas. Dia desses, acabei me vendo rodeado de escritores que viraram amigos. O mais importante dessa história: isso aconteceu aqui em Campos. Acabei encontrando nesta terra plana, pessoas que escrevem e conhecem e comentam e discutem tanto obras literárias clássicas quanto contemporâneas. Afinação e simetria com o Brasil inteiro por conta da literatura.
Daí que virei um crente. Minha profissão de fé: creio que a literatura opera prodígios. E as conexões provam isso. Em se tratando de literatura, acredito até mesmo em boas intenções. Sim, ó, ímpios descrentes ! As minhas, por exemplo, são as melhores possíveis. Incluindo aí o meu calculado desdém em relação à poesia. Entre estas ações práticas em prol da sobrevivência literária, está Paralelos, projeto editorial cujo objetivo é mapear a produção literária que está sendo desenvolvida nos grotões deste país, partindo do Rio de Janeiro. "Vinde a mim as letrinhas" poderia ser um bom slogan para resumir este projeto, que foi levemente inspirado na publicação da PS:SP, revista lançada no ano passado e que reúne doze autores que vivem em São Paulo.
O projeto conta ainda com o lançamento de uma revista-livro na segunda edição da Flip (Festa Literária Internacional de Parati), que acontece em julho. A primeira seção, chamada Paralelos, contará com autores nascidos ou radicados no Estado do Rio de Janeiro. Manja onde quero chegar: entre os autores selecionados, há três representantes de Campos – ahá ! A segunda parte, que leva o título de "Conexões", reunirá escritores de várias lugares do Brasil, mostrando o que há de produtivo na literatura brasileira contemporânea, cujos autores estão se interconectando. E esta ligação é claramente reforçada com revistas literárias do quilate de Ácaro, Coyote, Arraia Pajé Urbe e tantas outras que publicadas país afora e que têm conquistado projeção com o tempo.
Há movimento. E os escritores de Campos fazem parte dele. Percebe o desenvolvimento da simetria ? Suas possibilidades ? Você não perde por esperar.
Para fechar, uma outra explicação. Disse lá em cima que estou indo embora de Campos, assunto este que parece não ter a mínima relação com o teor deste artigo. Mas, creiam, isto é a base de tudo que estou escrevendo aqui. Histórias para contar para Eduardo não irão faltar. Mas quero ter uma história especial para contar para o meu filho, quando ele tiver idade suficiente para começar a compreender o que é literatura. Quero poder contar para ele que, em minha cidade natal, em determinada ocasião, tive o prazer de me juntar a outros escritores locais e que, em conjunto, ousamos investir tempo, dinheiro e uma grande dose de paciência em uma paixão. E que fomos correspondidos certas vezes, vendo resultados práticos desta obsessão. Também direi que os textos que chegavam às minhas mãos de pugilista calcário não ficavam devendo em nada o que eu via de outros pontos do país e que tal percepção me alegrava bastante.
Todo esse texto, no fundo, tem uma conotação egoísta, reconheço. Serve para dizer que eu quero que meu filho sinta orgulho do escritor que é o pai dele. Porque eu sinto orgulho em fazer parte de uma geração que se preocupa com a literatura, que se interconecta e que, aos poucos, vai movendo este nosso mundinho literário. Eppur si muove.
domingo, maio 30, 2004
Postado por Jorge Rocha às 15:26
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