O tranca-rua
Felipe Sáles
Ao bater a porta da viatura, Angelim sentiu uma gota de suor gelada brotando na testa e descendo, rasgando, como uma lâmina afiada. Parecia a mesma sensação de quando foi baleado pela primeira vez, para você ver o pânico do miserável. Mas neste caso, quem olhasse de fora nada entenderia, afinal, que mal haveria de ter numa simples diligência, apenas checar um endereço, como tantas vezes fez na carreira?
O problema estava no motorista, o maldito Severino José de Alcântara, definido pela precisa alcunha de Tranca-Rua. Não apenas porque ele era, sem exagero, o pior condutor de toda a briosa história da Polícia Civil, não apenas deste país, mas do mundo. Mas o que de fato batizou tão inspirado apelido foi por conta do que aconteceu no Dia de Ogum do ano passado – há exatamente um ano, daí o temor de Angelim.
Severo diriga em seus habituais 20 quilômetros por hora quando, de repente, pisou fundo no acelerador. Mais alto do que o motor foi o urro diabólico do motorista, que dali só parou no poste. Foi levado para o hospital amarrado por um pastor que passava no local, porque nem os bombeiros ousaram encostar no possuído. Só não foi arrastado para o hospício porque os colegas da delegacia chegaram a tempo. Depois tentou se desculpar, que não se lembrava de nada, que aquilo nunca tinha acontecido e que a culpa foi do rádio que tocou um samba de crioulo doido.
Diante de tal lembrança, a primeira providência de Angelim, após sete profundos suspiros, uma Ave-Maria e dois Pai-Nossos, foi desligar o rádio.
Deixa quieto que eu vou aproveitar e tirar um cochilo – disfarçou, fingindo normalidade.
Severo consentiu e meteu o pé Avenida Brasil afora. A viagem seguiu tranquila, e Angelim até conseguiu mesmo dormir, quase desmaiado, embalado pelo ar-condicionado do carro.
Foi acordado por uma explosão seguida cacos de vidro voando para todo lado. Severo meteu o pé no freio e Angelim saltou alucinado, de arma em punho, apontando para o céu e até para uma mulher grávida do outro lado da rua. Por pouco não acabou atropelado, e viu-se obrigado a voltar para o carro. O vidro de trás estava completamente estilhaçado, sem qualquer explicação. Estacionaram o veículo e procuraram uma pedra, marca de tiro ou qualquer objeto que justificasse o acontecido. Não havia nada.
Angelim embarcou na viatura e mandou seguir viagem. Desta vez, com o devido cuidado: uma pistola apontada para os córneos do danado.
Se vocês querem tanto se encontrar, vou tentar ajudar – engatilhou.
E ligou o rádio.
segunda-feira, agosto 22, 2011
[croniquinhas de segunda]
Postado por Vitor Menezes às 00:13 Marcadores: croniquinha de segunda
2 comentários:
Como sempre, de primeira!
Walnize
Cada texto melhor. Salve, Felipe.
Você, Menês e Jorgerrocha são os nossos escritores mais criativos.
Bênça.
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