quarta-feira, dezembro 01, 2004

Para Oviedo e Rimet

Taí o texto que não consegui linkar:

Lula planeja oásis no NE para conter os migrantes
Raymond Collit (do Financial Times)
Em Salgueiro (PE)


Após oito horas de trabalho intenso sob o sol escaldante, Manuel Souza dos Santos, de 13 anos, estava desesperado por um copo d'água para umedecer os seus lábios rachados e tirar a poeira da boca. Nesta remota cidade do Sertão - a vasta e árida região de savana no nordeste do Brasil -, ele só tem como opções consumir a água salgada de um poço ou um líquido lamacento e esverdeado de um lago quase seco.

Há meio século, as mesmas condições difíceis de vida levaram Luiz Inácio Lula da Silva a abandonar esta região desértica em uma jornada épica de 13 dias até São Paulo, na carroceria de um caminhão.

Ele foi um dos milhões de indivíduos da área que fugiram de suas cidades: atualmente esses migrantes representam pelo menos um terço dos cerca de 18 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo.

Agora, como presidente do Brasil, ele planeja contribuir para acabar com um dos maiores movimentos migratórios do mundo, construindo centenas de quilômetros de canais para levar água à região a partir do rio São Francisco, que tem 2.800 quilômetros de extensão.

O projeto oficial - o maior do mandato de quatro anos de Lula - deverá ser licitado em janeiro. O presidente defende o astronômico custo de R$ 4,5 bilhões, argumentando que o preço pago por não se fazer a obra seria ainda maior.

De fato, em 1998 o governo gastou US$ 2 bilhões com as vítimas da seca. E, acima de tudo, o presidente diz que se trata de "um projeto humanitário".

A motivação do presidente é não só pessoal, mas também política. De olho na reeleição em 2006, ele pretende dar mais ênfase aos seus programas sociais, incluindo um, até agora fraco, projeto de erradicação da fome, que seria a bandeira da sua administração.

A idéia de utilizar a água do Rio São Francisco foi proposta pela primeira vez pelo imperador Dom Pedro 2º, em 1847. De acordo com a proposta atual, a água será bombeada para dois canais ao norte e a leste do rio, com extensões de 402 km e 220 km, respectivamente.

Cada um desses canais alimentará represas e cursos d'água já existentes, que, por sua vez, abastecerão cidades, vilas e propriedades rurais. No papel o projeto promete benefícios substanciais. Ele fornecerá água para pessoas que moram em cidades e vilas e irrigará 47 mil hectares de terra fértil, gerando até 200 mil empregos.

Atualmente, os açudes e canais de distribuição existentes operam bem aquém da capacidade devido a chuvas insuficientes e muito irregulares, à falta de rios perenes e a uma taxa de evaporação de 75%. As pessoas que vivem nos locais onde serão construídos novos canais e reservatórios receberão indenizações e serão transferidas para outros locais.

Elas poderão optar pela compensação monetária ou pelo recebimento de uma casa e de um pedaço de terra nas chamadas "vilas produtivas", que deverão ser irrigadas por canais. Embora muitos se preocupem com o aspecto das futuras casas, a maioria dos fazendeiros e moradores ao longo dos cursos d'água planejados vê a idéia, a princípio, com simpatia.

"Aqui, água é vida: sem ela não fazemos nada", explica Edmundo Rodrigues, pequeno agricultor que mora 50 km ao norte da cidade de salgueiro. Existem preocupações de ordem ambiental, embora algumas delas, tais como a possibilidade de que o Rio São Francisco seque, sejam exageradas.

O projeto utilizará apenas 1,5% do volume d'água total do rio. Outro problema é o impacto potencial da migração dos peixes sobre a biodiversidade da região. O projeto, na verdade, promete promover um longamente adiado trabalho de limpeza e dragagem do rio, que deixou de ser navegável em certas partes devido ao assoreamento causado pela construção de represas e pelo desmatamento ao longo de suas margens.

Mas há outros riscos. Um deles é que não existem garantias de que um sucessor de Lula venha a completar o projeto, condenando-o ao mesmo destino que tiveram vários elefantes brancos abandonados na região.

A construção de tubulações de distribuição que levariam água às pequenas cidades dependerá grandemente dos governos estaduais, que podem não contar com verbas ou desejo para realizar o projeto, especialmente naqueles Estados governados por partidos de oposição.

Bombear água através de um ambiente semidesértico é algo como transportar ouro nos dias do Velho Oeste e pode se constituir no maior dos desafios para as autoridades. A tubulação que leva água a Salgueiro possui tantas conexões ilegais que a água freqüentemente deixa de chegar à cidade. "A água sai das torneiras dia sim dia não", diz Maria José, que vende milho na praça principal.

Embora o governo insista que a autorização para o consumo de água em pequena escala seja uma mera formalidade, alguns moradores temem que empecilhos burocráticos e políticos possam favorecer os influentes.

"Isso pode se transformar em uma ferrovia de alta velocidade sem estações de parada do trem", alerta Gerlândia Vieira de Moraes, secretária do sindicato dos trabalhadores rurais da cidade de São José de Piranhas, no Estado da Paraíba. "O que nos garante que teremos acesso à água?".

Essas e outras questões determinarão se Lula será capaz de afirmar que modificou a vida no Sertão. "Sonho com os nordestinos indo a São Paulo não para lutar pela sobrevivência, mas como turistas", diz Gerlândia.

Tradução: Danilo Fonseca

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