Política para a Literatura
Uma moçada boa está se movimentando para pressionar o Ministério da Cultura para criar políticas públicas de estímulo à produção literária nos programas voltados para a leitura e criação de blibliotecas. Um manifesto foi preparado para ser enviado ao ministro Gilberto Gil. É longo, mas leitura obrigatória para todos os que têm interesse na área. Confira:
TEMOS FOME DE LITERATURA
Exmo Sr. Gilberto GilMinistro da Cultura do Brasil
Exmo Sr.
Galeno Amorim
Coordenador do Programa Nacional do Livro, Leitura e Bibliotecas
Temos acompanhado com interesse, entusiasmo e atenção as iniciativas do Ministério da Cultura para a criação de uma Política Nacional voltada para o Livro, a Leitura e as Bibliotecas. As discussões públicas sobre o assunto e a abertura da equipe ministerial para ouvir a sociedade civil são realmente louváveis e estimulantes para os que participam da cadeia produtiva da literatura e do livro e para todos os interessados. Sobretudo em um país em que se lê pouco — muito embora tenha uma produção literária de altíssima qualidade —, esses esforços se fazem necessários e urgentes. Como escritores, poetas e ensaístas, manifestamos nosso desejo e nosso interesse de contribuir nesse processo de discussão para o estabelecimento de políticas públicas o mais abrangente possível, que inclua todos os segmentos da cadeia produtiva da literatura e do livro.
No ABC da Literatura, entusiasmada e brilhante defesa da criação artística, poética e literária, o poeta Ezra Pound afirma: "Uma Nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive." Não é preciso gastar tinta para evidenciar o papel fundamental da criação literária e poética no grande caldo vivo e orgânico que forma a arte e a cultura de um país. Também não é difícil perceber que, quando as condições para a criação e a circulação da arte e da cultura sofrem um processo de estrangulamento, logo se nota um empobrecimento das relações humanas. Daí para o desencanto, a paralisia e, em grau mais acentuado, a barbárie, são apenas alguns passos. Largos, por sinal.
Escritores e poetas são, como todos sabem, os artífices principais da criação literária. Sem eles, não existem os livros, nem a indústria editorial, nem as bibliotecas, nem os leitores. Paradoxalmente, são também o segmento menos profissionalizado do setor. Profissionalizado, não no sentido da excelência de sua arte, mas na possibilidade de sobrevivência através de seu próprio trabalho criativo. Como também é do conhecimento de todos, muitos criadores literários, além de não contarem com nenhum, ou quase nenhum incentivo público, ainda assumem as despesas de edição de suas obras com recursos próprios, ou, como dizia o compositor Itamar Assumpção: As Próprias Custas S/A. É, portanto, um segmento carente de políticas públicas que fomentem, incentivem e criem condições objetivas para o desenvolvimento de seu trabalho criativo.
Em que pese todo o esforço do Ministério da Cultura em desenvolver políticas públicas para o setor ligado ao livro, temos percebido, com preocupação e desapontamento, a não inclusão, com maior ênfase e clareza, da criação literária nessas políticas. Notamos que a palavra Literatura jamais está incluída nas políticas para o livro, a leitura e as bibliotecas. Não se trata de uma simples questão semântica ou de nomenclatura. Trata-se, sim, da necessidade de Políticas Públicas de Fomento à Criação Literária. Trata-se, sim, do entendimento profundo de que, da mesma forma que o Brasil tem fome de livros, os escritores têm fome de políticas públicas para a literatura. Sem essa consciência, as políticas nacionais, estaduais ou municipais serão necessariamente incompletas.
Tendo em vista essas condições e o esforço da equipe ministerial em pensar e implementar medidas de desenvolvimento para o setor, decidimos tornar públicas, e trazer aos representantes do Ministério da Cultura, as seguintes reivindicações:
1) Inclusão do termo LITERATURA nos programas, leis, conselhos e câmaras setoriais relacionados ao livro, leitura e bibliotecas, que estão sendo propostos pelo Ministério da Cultura. Desta forma, teríamos o Programa Nacional da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas, a Lei da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas, o Conselho Nacional da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas e a Câmara Setorial da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas;
2) Inclusão de artigo na Lei da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas criando o Fundo Nacional da Literatura, Leitura e Bibliotecas, com 30% das verbas destinadas diretamente ao Fomento à Criação e Circulação Literária e os outros 70% ao fomento à Leitura e Bibliotecas;
3) Inclusão do termo FOMENTO À CRIAÇÃO LITERÁRIA no § 2º do Artigo 1° da Lei da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas, ficando com a seguinte redação:
“§ 2º . A Política Nacional da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas objetivará a instrumentalização da implantação e o desenvolvimento da indústria editorial e o fomento à criação literária como bases de afirmação da nacionalidade e da cultura brasileira, com papel estratégico relevante na difusão e permanência da língua, das artes, da ciência e dos valores pátrios.”
4) Criação de um Programa de Compra Direta de Livros do próprio autor, tendo em vista o fato de grande parte da produção literária brasileira – sobretudo a poesia – ser publicada, ainda hoje, às expensas dos próprios autores. A proposta tem inspiração no Programa de Compra Direta de Alimentos da Agricultura Familiar, fruto de uma parceria dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, de Segurança Alimentar e Combate à Fome e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com o objetivo de garantir renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária, além de abastecer os estoques reguladores do governo;
5) Criação da Sub-Câmara Setorial de Fomento à Criação Literária, na Câmara Setorial da Literatura, do Livro, Leitura e Bibliotecas. Esta Subcâmara seria formada preferencialmente por escritores, poetas e ensaístas e representantes do Ministério da Cultura.
Como parte do esforço para contribuirmos com a formulação de programas públicos que incluam o fomento à criação literária e o contato direto do escritor com o público, trazemos também as seguintes propostas, que podem, objetivamente, ser implementadas em curto e médio prazo:
PROPOSTAS PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA DE FOMENTO À CRIAÇÃO LITERÁRIA
1) PROGRAMA DE CIRCULAÇÃO DE ESCRITORES E POETAS I – em articulação do Ministério da Cultura com o Ministério da Educação, criar um Programa de Circulação de Escritores e Poetas pelas universidades do País. Caravanas de cinco escritores e poetas deverão circular pelas universidades das cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro, Sudeste, Sul), para debates sobre literatura, leituras públicas e lançamentos de livros e revistas. Cada caravana deverá passar por, no mínimo, cinco cidades diferentes. Serão, portanto, cinco caravanas simultâneas, com cinco escritores cada. Total: 25 escritores. Essas caravanas deverão ser trimestrais. Sugestão de nome: Projeto Waly Salomão.
2) PROGRAMA DE CIRCULAÇÃO DE ESCRITORES E POETAS II – Mesmo princípio do Programa anterior, mas, agora, em articulação do Ministério da Cultura com os governos estaduais e municipais brasileiros (através de suas respectivas Secretarias de Cultura). Desta forma, poderia-se ampliar o projeto para a rede de escolas estaduais e municipais. Sugestão de nome: Projeto Paulo Leminski.
3) PROGRAMA LATINOAMÉRICA DE LITERATURA - em articulação do MinC com os ministérios da cultura estrangeiros, embaixadas e universidades criar o Programa Latinoamérica de Literatura, para circulação mútua de escritores e poetas entre os países latinoamericanos, promovendo debates, leituras públicas e lançamentos de livros e revistas. Poderia-se ampliar para um Programa de Intercâmbio de Escritores e Poetas Visitantes nas Universidades desses países.
4) PROGRAMA ENTRE-MARES DE LITERATURA – a mesma idéia do programa anterior,
porém entre o Brasil, Portugal, e os países africanos e asiáticos de língua portuguesa.
5) PROGRAMA PRIMEIRO LIVRO - um incentivo do MinC (e eventuais e bem-vindos parceiros) para a publicação, divulgação e distribuição a escolas e bibliotecas do primeiro livro de escritores e poetas brasileiros.
6) FUNDO NACIONAL DA LITERATURA, LIVRO, LEITURA E BIBLIOTECAS com 30% do orçamento destinado diretamente ao fomento de projetos independentes (publicação de revistas, CDs e DVDs de poesia e/ou prosa, recitais de poesia, festivais literários, co-edições, ciclos de discussões, pesquisas, etc...).
7) BOLSA CRIAÇÃO LITERÁRIA para desenvolvimento de projetos literários de escritores e poetas. A cada ano seriam concedidas 20 bolsas em todo o país, no valor de R$ 3 mil mensais para cada contemplado pelo prazo de um ano. Os autores escolhidos não poderiam ter vínculo empregatício, dedicando-se integralmente ao projeto. Os recursos poderiam ser conseguidos em parceria com as empresas estatais e a iniciativa privada.
8) SISTEMA PÚBLICO DE DISTRIBUIÇÃO - Criação de um sistema público de distribuição de livros (em parceria com os correios) voltado para as pequenas editoras e a produção independente.
9) PUBLICAÇÕES LITERÁRIAS - Criação de veículos públicos de circulação para a literatura, tais como jornais e revistas (através da imprensa oficial), sites e programas de rádio e TV na rede pública de comunicação.
10) JORNADA NACIONAL LITERÁRIA – Criação de um grande evento anual, reunindo escritores, poetas e ensaístas para leituras, debates, conferências, palestras e lançamentos. O evento será aberto preferencialmente à professores, estudantes e ao público em geral. Desta forma, os professores poderão se atualizar sobre a criação e a discussão literária do Brasil, servindo de agentes multiplicadores junto aos seus alunos. A cada ano a jornada será realizada em uma cidade diferente do País, privilegiando todas as regiões.
Para definir os critérios e a seleção de projetos e de autores para cada uma das propostas anteriores, reivindicamos a formação de uma comissão paritária com membros do Ministério da Cultura, dos escritores e da sociedade civil ligado ao setor literário e com comprovado conhecimento. Reivindicamos ainda que todos os programas sejam anunciados em editais públicos, de forma transparente e democrática, especialmente os que se referem ao Fundo Nacional da Literatura e à Bolsa Criação Literária.
Por fim, motivados pelo Programa Fome Zero, da Presidência da República, que compreende a necessidade de incentivo à agricultura familiar e ao pequeno produtor para a erradicação definitiva da fome no país, nos sentimos animados a participar ativamente de um programa que erradique a fome de livros e também a fome de incentivo à criação literária no país.
Cientes da importância da criação literária na formação cultural do País, temos certeza que nossas reivindicações e propostas encontrarão eco entre todos os interessados no problema da leitura — da equipe ministerial aos editores, livreiros, bibliotecários e da sociedade em geral.
MOVIMENTO LITERATURA URGENTE
Ademir Assunção – poeta e jornalista. São Paulo/SP
Ricardo Aleixo – poeta e compositor. Belo Horizonte/MG
Marcelino Freire – escritor. São Paulo/SP
Paulinho Assunção – escritor e jornalista. Belo Horizonte/MG
Claudio Daniel – poeta e jornalista. São Paulo/SP
Sebastião Nunes – escritor. Belo Horizonte/MG
Joca Reiners Terron – escritor. São Paulo/SP
Rodrigo Garcia Lopes – poeta e jornalista. Londrina/PR
Artur Gomes – poeta. ator. produtor cultural. Campos/RJ
quinta-feira, novembro 18, 2004
Postado por Vitor Menezes às 13:56
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