terça-feira, julho 25, 2006

Como dar aula de incompetência

O caso de Macaé, no Rio, onde a falta de investimento em qualificaçãolevou à geração de pobreza na riqueza

Imagine-se, num passe de mágica, multiplicássemos por dez a renda percapita do brasileiro.
Resultado: teríamos a cidade de Macaé (RJ), onde a renda por habitantechega a extraordinários R$ 96 mil.

Deveríamos supor que, nessa cidade tão privilegiada graças à exploração depetróleo, as pessoas desfrutam de boas chances de prosperar. Errado. Como a mão-de-obra local tem baixa qualificação, os melhores empregos gerados são ocupados por profissionais de outras cidades.
Esse exemplo de pobreza na riqueza faz dali um caso a ser estudado pelos candidatos, nessas eleições, sobre os efeitos do baixo investimento em capital humano.

Com o dinheiro arrecadado com o petróleo, o orçamento do município é de R$ 750 milhões, para uma população de 156 mil habitantes. Para comparar: o orçamento da cidade de São Paulo, a mais rica em valores absolutos do país, é de R$ 14 bilhões para 11 milhões de habitantes.
As escolas públicas de Macaé exibem um desempenho mediano -e mediano no Brasil significa qualidade ruim-, o que explica, em larga medida, por que sua população não consegue se apropriar da riqueza produzida bem à frente de seu nariz.

Não é culpa localizada desse ou daquele prefeito, mas de uma "obra conjunta" que reflete as conseqüências devastadoras da falta de visão sobre a importância de investir na qualificação dos indivíduos. O resultado é o desperdício na abundância e a geração de pobreza na riqueza.

Na semana passada citei nesta coluna o caso de Sertãozinho, cujas escolas públicas estão no topo do Estado de São Paulo, segundo a lista de Macaé.

Se Macaé tivesse, porém, uma elite política e empresarial que conhecesse relação entre capital humano e distribuição de renda, saberia que a riqueza está mais dentro da cabeça dos indivíduos que debaixo da terra.Como conseqüência, se investiria mais nas escolas, nos cursos técnicos profissionalizantes, nos programas para a formação de tecnólogos.

Não existe aqui nenhuma novidade. Se prestarmos atenção em cidades brasileiras que estão virando pólos de riqueza, explorando sua vocação,veremos que os arranjos produtivos se uniram a arranjos de conhecimento.São lugares em que o desemprego não está na lista dos maiores problemas.Nesses arranjos produtivos, empresas de jovens empreendedores são incubadas, com a associação da prefeitura com as universidades, articuladas com entidades do tipo Sebrae.

Vemos esse tipo de ação em Santa Rita de Sapucaí (MG), na área de telecomunicação; em Birigüi (SP), calçados infantis; Campina Grande (PB), informática.

Nessa aula de incompetência de Macaé há pelo menos duas dicas especialmente valiosas em período eleitoral: 1) quanto mais as cidades se organizarem como comunidades de aprendizagem, mais chance haverá de se produzir riqueza e distribuí-la melhor; 2) quanto mais essa organização partir do nível local -a começar da prefeitura- , maior eficiência se conseguirá.

Se entendemos Macaé, entendemos por que o Brasil, tão rico, consegue gerar tanta pobreza.

Gilberto Dimenstein
Folha de S.Paulo
24/07/2006

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