terça-feira, fevereiro 19, 2013

[croniquinha de segunda]

A pretexto de dizer que este blog ainda existe, lá vai uma croniquinha cometida por mim numa recente noite deste verão infernal...


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A minha casa

Vitor Menezes

Minha casa fui eu que fiz. Difícil explicar o prazer disso em tempos de tantas especializações. Mas o fato é esse: eu fiz. Sem arquiteto e sem planta aprovada na prefeitura. Sem engenheiro e sem cálculo estrutural. Havia pedreiros, claro, mas fui eu que tomei cada decisão, mesmo sem muita convicção.

Lembro de ter medido o terreno e esboçado os cômodos em folha de caderno. E contratado a mão de obra e comprado os materiais. Para a cozinha, imaginei uma janela que abrisse sobre um balcão de bar, e tive que desenhá-la na loja de madeiras para que o vendedor entendesse o que eu queria. Tive também que inventar modos de erguê-la feito uma ponte de fosso de castelo ao contrário, e comprar correntes que a sustenta quando aberta.
Descobri materiais que suportam altas temperaturas, para a churrasqueira, e tive que aprender a diferença entre rejunte e argamassa. Fiz escolhas entre sifão sanfonado e rígido, e preferi torneiras de plástico às de metal, em um ambiente exposto à maresia.

Um sentimento ancestral de erguer a própria caverna acomete alguém que constrói algo para si. Não é apenas material, é algo que se aproxima muito daquelas poucas áreas que associamos a algum sentido para a vida.

Lembro até que me esmerei nos erros, pois na casa há alguns que só poderiam ser cometidos por amadores, como eu, o que só faz aumentar o meu orgulho e identificar cada marca. Por exemplo, é minha, inquestionavelmente minha, aquela situação em que, ao procurar-se o interruptor de luz do banheiro, só é possível encontrá-lo atrás da porta. Nenhum arquiteto faria algo assim. Este erro é uma assinatura.

Estou na tinta escolhida, no material do forro, no escantilhado da porta, no local do quadro de energia, na capacidade da caixa d`água, na diagonal do piso e nos pedidos de ligação de água e energia. Estou na grama maltratada, na casinha do gás, no detalhe em pedra, no sumidouro da calha, no hidrômetro exposto e na caixa dos correios.

Por isso tenho a impressão de que ela nunca será, para mim, uma casa qualquer. Será, sempre, com toda a força que pode ter essa expressão, a minha casa.

8 comentários:

Wesley Machado disse...

Bela crônica! Bem escrita e gostosa de ler!

walnize carvalho disse...

Que bela construção de crônica!
Walnize

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

É isso mesmo, Vitim. Podemos ver entre suas idas e vindas nosespaços seus que sua casa tem muita graça, tem teto, e muitos poderão estar ali.

Mas não esqueça de uma coisa. Existe uma morada que é eterna, e essa também não pode ser deixada para lá. Não precisa de arquiteto, e nem de pedreiro, apenas crer que o Carpinteiro veio aqui para preparar morada para nós.

Ah... lembrei-me da frase que meu tio Aloizio Faria ( Academia Campista de Letras) disse quando viu a casa que meu pai fez... "Que linhas raras deu você a seu habitat!" Faço minhas as palavras dele para seu habitat.

Rosängela

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

http://www.youtube.com/watch?v=vxt5LgNHdG4

Paola Bittencourt disse...

Lindo texto! Leitura prazerosa!

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Se Tio Aloisio pudesse ver que escrevi seu nome com Z, iria me dar aquela bronca que ele dava mesmo. As regras gramaticais eram suas explicaçoes na bucha.

Vitor Menezes disse...

Valeu, pessoal. Abração!

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

https://www.youtube.com/watch?v=cmT277awIAs

Abração, Vitim!

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