segunda-feira, setembro 02, 2013

[croniquinha de segunda]

Conversa ao pé da cova

Vitor Menezes

Sou dado a pequenos rituais diários, embora não seja religioso. Um deles é me despedir da noite antes de dormir. Vou à sacada do meu apartamento, olho para o céu e não penso, mas é como se pensasse, algo assim: “Obrigado, alguém, por mais um dia. Valeu mesmo. Ao que parece eu continuo aqui, e isso tem sido bom”.

É da sacada que observo janelas dos prédios ao redor. Percebo que há uma sintonia de luzes e horários. Sei quais varandas encontrarei acesas entre uma e duas da madrugada. E também as que assim estarão entre as duas e as três. Assim de modo sucessivo até encontrar a cumplicidade da TV ligada às cinco da manhã em um apartamento de nono andar que deve ficar distante algo em torno de quinhentos metros do meu. Não sei quem mora nele, mas a contemplação daquelas luzes coloridas, entre apagões repentinos dos fades, é também parte do meu ritual diário de viver. Igualmente me despeço delas antes de dormir.

Há pessoas que, pela manhã, agradecem por mais um dia que terão. Cético, eu agradeço nas noites, pelo dia que já tive. A chance de erro é bem menor.

Além disso, não creio que a luz da manhã seja oportuna para agradecer por algo. Nem pela vida. É um período do dia, para mim, meio estúpido. Um bom momento para ninguém se aproximar. E não entendo a obsessão dos trabalhadores em atribuir alguma orgulhosa distinção ao fato de acordar cedo. Acho uma perda de tempo.

Meus melhores rituais são os noturnos. Nestas horas é que tudo parece fazer sentido, ou, dito de outro modo, é quando melhor consigo conviver com a falta de sentido que há em tudo. E rir disso. E a gostar da vida de um modo intenso, como jamais poderia supor gostar se nela pensasse pela manhã.

Portanto, depois da minha última noite, quando for dormir para sempre, peço aos amigos que se lembrem de gravar no meu epitáfio: “Aqui jaz um homem que não foi muito longe, mas gostou muito do lugar onde esteve”. E se forem dotados de alguma coragem fúnebre, apareçam para bater papo comigo nas madrugadas.

8 comentários:

Flavia D'Angelo disse...

Muito boa!!!!!

Flavia D'Angelo disse...

Muito boa!!!!!

Vitor Menezes disse...

Rs, valeu, Branca. Brigadão. Abs

Bruno Reis disse...

Se eu estiver vivo, quando você for dormir pra sempre, irei sempre bater papo com você às 8 horas da manhã.
Para que o seu espírito de porco não se esqueça da sensação horrorosa de acordar cedo,
colocarei um cd de pagode pra tocar enquanto falo mal de comunistas,
levarei pedaços de cabelos caídos para que você não se esqueça da maldição de não ter cabelo em seu corpo mortal e, para você ler,
levarei algum jornal campista, desses tendenciosos, vendidos pra algum político =b
Só após esse ritual, levarei algum testemunho de Jeová para interceder sobre sua alma.

Acho que é o suficiente para que você lembre, por toda a eternidade, que seu sobrinho/afilhado te ama

márcia barcelos disse...

Vitor tenho o costume de agradecer pelos dias e pelas noites que tenho ...acho que assim o fardo fica mais leve. Mas achei muito boa sua crônica até porque nós jornalistas somos bem mais afeitos as madrugadas - nem que seja para agradecer ,rsrsr. Passei , li e gostei muito,parabéns! beijos Márcia Barcelos.

Vitor Menezes disse...

Caraca, Brunão! Orgulho danado de ter um espírito de porco como você como afilhado. Acho que ficarei tão feliz com a homenagem que levantarei da tumba e começarei a sambar sobre o jazigo rs rs rs. Beijão na sua pré-careca!

Vitor Menezes disse...

Valeu, Marcinha! Beijão!

Bruno Reis disse...

Rsrs. Muito justo. Beijão.

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