segunda-feira, maio 12, 2014

[croniquinha de segunda]

José Augusto, você conhece?

Álvaro Marcos Teles

Fila do caixa eletrônico do shopping. Um homem, entre 30 e 35 anos, falava alto ao telefone. Daquele tipo espalhafatoso, que não se importa se os outros estão ouvindo a conversa. Exibido a ponto de gostar de chamar a atenção mesmo durante as intimidades. Faltou-lhe beleza. Passou longe da perfeição odontológica. Os dentes da frente, quebrados e desalinhados, ajudaram a compor uma voz relativamente fina, adocicada e irritante.

Tinha um sotaque esquisito. Por vezes pareceu ser da Baixada Fluminense, dado ao excesso de gírias. Em outras frases, carregou tanto nos érres que pode facilmente ser confundido com um interiorano paulista. Usava um jeans desbotado e camisa polo de largas listras azul e branco. Ostentava dois brincos de prata em cada orelha: um par de argolas grossas e outro de estrelas. O celular, longe dos modernos Galaxys e Smartphones, era de um modelo antigo com teclas.

- Vamos ao show do José Augusto? Ele canta aquela música: "quero explodir por dentro, inventar uma paixão..." Você conhece?

Três segundos de silêncio.

- Ah, não tem problema. Me dá esse gosto que prometo ir contigo ver o Jeito Moleque. Esse eu já não curto. Faz a minha vontade e eu faço a sua, que tal?

Nova pausa, pequena.

- Eu durmo lá pelas quatro da manhã. Minha vida é uma loucura, tudo de cabeça para baixo. Prometo não ficar te alugando até tarde, pode deixar.

Desligou.

Coçou o cabelo ralo. Bateu com as mãos nas pernas, demonstrando ansiedade. Pegou o celular de novo.

- Alô, Beth...

Tirou o aparelho do ouvido e o encarou, raivoso.

- Droga, o Vivo ela não atende. Vou digitar o número da Claro.

Pareceu inválido.

Chegou a vez de usar o 24 horas. Pegou um cartão da Caixa Econômica Federal. Quis sacar. Outra vez. Terceira tentativa. Socou o equipamento, puxou a parte da calça que já deixava a cueca preta à mostra, e saiu irado.

- Isso aqui é uma merda.

Os outros integrantes da fila se entreolharam e riram, discretamente. Uma moça morena, de cabelos tingidos de amarelo nas pontas, camiseta branca e short curto desfiado, reagiu.

- Que mala, hein! Deus me livre de um encosto desse.

Ele ouviu. E não perdeu tempo.

- Ei, gracinha, vai fazer o que hoje à noite? Tenho duas entradas para o show do José Augusto. Ele canta aquela música ...

Um comentário:

Unknown disse...

Boa, Álvaro!

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