quarta-feira, maio 29, 2013

[croniquinha de segunda]

Oração para São José Cândido
 
Vitor Menezes

Glorioso São José Cândido,

Peço que, quando tudo me faltar, que eu não esqueça a literatura. Tenho vivido essa vida sórdida de pagar contas e de cumprir responsabilidades. Por preguiça ou por cansaço, não tenho me dedicado ao que intuitivamente sei que deveria fazer. E o tempo passa sem que eu saiba se um dia poderei, enfim, me dedicar integralmente a ela.

Tudo o que tenho feito me parece empecilho que me afasta daquilo que realmente importa.

O que peço é que, quando eu estiver velho, livre das dívidas sociais do mundo, que eu não me torne imune à literatura, como tanta gente por aí.

Tenho visto bons escritores sucumbirem à rotina dos assalariamentos, às desculpas sobre as dificuldades do mercado editorial, e até mesmo às arrogâncias dos discursos que colocam a culpa nos leitores. Não permita, meu santo, que eu siga igual caminho.

Que eu não me esqueça da razão de ter nascido. Que eu não fique avarento e considere apenas a possibilidade de fazer o que dá dinheiro. Que eu não passe a acreditar que sensibilidade é coisa de adolescente romântico.

Mesmo que eu não venha a ter o talento necessário, me permita escrever. Ao contrário de Pessoa, assim o permita mesmo que seja para não ser lido ou publicado. Deixe-me apenas não esquecer. Não haverá fechamento correto do ciclo da minha existência se assim não o for.

Que meus netos me reconheçam como escritor, e se divirtam com a esquisitice do avô que vive trancado entre livros. E que vez por outra me apareçam estudantes com a tarefa de entrevistar um certo cronista que mora no bairro.

- Qual a diferença entre crônica e conto? – perguntarão, e eu responderei com gosto, mais uma vez.

Meu poderoso São José Cândido, que eu tenha saúde para viver até chegar este momento. E que, se não for pedir demais, que ele possa durar o tempo suficiente para que eu produza toda a obra que estiver ao meu alcance.

Que eu possa, enfim, honrar a sua tradição, para depois descansar no celestial inferno dos escritores por toda a imortalidade.

Um comentário:

Helio Coelho disse...

Que assim seja, amém!
E que o pedido seja reforçado junto a Santo Amaro, que também era chegado às letras...

Muito bom o texto, Vitor. E o pedido, também...

Hélio Coelho

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