O infiel e o mulherengo
Vitor Menezes
Digamos que uma certa associação taquarense das mulheres emancipadas tenha escorregado na má ideia de convidar Aécio Manhas (assim mesmo, sem acento) para palestrar em seu encontro anual. A proposta teria surgido na cabecinha santa de Benta Edvirges, moça progressista, inaugurada e militante, mas de formação romântica e religiosa. O plano: ouvir o que os homens têm a dizer sobre relacionamentos.
- Todo ano ouvimos as companheiras feministas. Nós já sabemos o que elas têm a dizer. Precisamos saber é o que os homens têm a nos revelar – teria defendido a engajada Bentinha.
Imagine então que Aécio teria caminhado da plateia para o palco, após solene apresentação feita pelo cerimonial, e tenha se postado ao microfone diante de dezenas de olhares associados, taquarenses, mulherenses e emancipados, dado duas batidinhas com os dedos para testar o som, ajustado a altura do pedestal, e dito algo assim:
- Boa noite a todas. É um grande prazer estar entre tantas mulheres. Creio que muitos homens gostariam de estar no meu lugar nesta noite, especialmente se forem cumpridas todas as promessas que estes olhares me fazem agora.
Neste ponto, parte das ouvintes desviaria os olhos, outra parte franziria o cenho em desaprovação, mas a maioria sorriria receptiva.
Seria nula a possibilidade de que Aécio Manhas deixasse o evento sem carregar duas ou três para o seu estúdio fotográfico. Sim, o palestrante seria um fotógrafo, escolhido para a missão justamente por manter consolidada fama de conquistador contumaz.
Não tardaria o burburinho sobre a impertinência de convidar um machista cafajeste, responsável pelos mais notáveis casos de desvirtuamento precoce de meninas, e também de destrambelhamento matrimonial de senhoras, para falar em evento concebido para proclamar a libertação feminina de espécies da sua laia.
Benta Edvirges estaria em busca do botão “ejetar” em sua cadeira, quando seria tomada por esperança redentora ao ouvir, lá pelos trinta minutos de palestra, Aécio dizer que, diferentemente do que aquelas gostosurinhas da plateia poderiam imaginar, ele era um homem fiel.
- Tenho horror da infidelidade – proclamou, chamando a atenção até das mais hostis ouvintes.
- Não sou e nem nuca fui infiel. Sou é mulherengo. O infiel gosta de trair. O mulherengo gosta é de mulher. Trato todas como se fosse a única e, se pudesse, ergueria um altar para cada uma delas. Se não posso ser só de uma, é porque amo demais. O infiel gosta de ver o sofrimento da mulher traída, goza a sordidez da enganação, valoriza o profissionalismo da dissimulação. O mulherengo, ao contrário, a faz tão bem que ela o deixa livre, para ir e voltar feliz. É normalmente atrapalhado e amador. E se incorre em certa simultaneidade em seus casos, é por considerar a vida muito curta para amar uma de cada vez – disse, pontuando com um sorriso aberto.
Até as mais ortodoxas considerariam a validade da tese. E haveria mais uma festinha no estúdio.
terça-feira, junho 11, 2013
[croniquinha de segunda]
Postado por Vitor Menezes às 09:59 Marcadores: croniquinha de segunda
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