O velho magnânimo
Vitor Menezes
O velho, magnânimo, olhou para as formigas e disse:
- As deixarei viver.
Gostava de exercer poder.
E não há poder maior do que decidir sobre a morte e a vida, ainda que sejam de formigas. No caso do velho, nem sempre o foram.
Décadas atrás, eram frequentes as situações em que decidia se devia matar ou se devia deixar viver. Fazia isso com refinado humor, mas ainda assim escolhia mais a primeira do que a segunda opção.
Uma noite, no seu pequeno tribunal particular, julgou e condenou à morte um dos seus empregados, sujeito petulante que ousara reivindicar uma bobagem qualquer que nem mais se lembra. Um imbecil aquele funcionário.
Também teve a vez em que mandou que desaparecessem com um pároco, adepto de ideias estranhas sobre o papel da igreja.
Nas poucas vezes em que optou por deixar viver, o fez por necessidade de liberar o apavorado para que contasse aos seus iguais o que acontece com quem o desafia.
O tempo passou, os tempos mudaram, e a matança arrefeceu. Mas o velho não perdia o hábito de exercer poder. E assim fazia nos seus novos negócios, com seus parentes e até com amigos e aliados.
Não eram mais tiros o que disparava. Eram ordens desencontradas ou sem sentido, reprimendas desnecessárias, humilhações públicas, acessos de fúria contra subalternos.
Até que chegou o dia em que uma emboscada o tombou no acostamento de uma estrada de pouco movimento. Foram seis tiros. Dois na cabeça, três no peito e um ridiculamente na nádega direita. Ele ainda agonizava, rosto colado ao chão, sangue escorrendo da boca, quando viu a trilha de formigas que se aproximava. E foi este o momento em que balbuciou:
- As deixarei viver.
segunda-feira, junho 24, 2013
[croniquinha de segunda]
Postado por Vitor Menezes às 16:00 Marcadores: croniquinha de segunda
Um comentário:
Sensacional... parabéns!
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