segunda-feira, agosto 12, 2013

[croniquinha de segunda]

Fada do dente

Álvaro Marcos

Tremi. Percebi alguma coisa diferente. Um incômodo. Algo se mexendo pra lá e pra cá. E eu, sem explicação. Parecia turbulência. Mudança repentina. Latejava. Entre dois polos, ardor. Paciente, esperei o melhor momento para capturar as informações. Sabia, só, que doía. Não era dor profunda, contundente. Era suavemente constante.

Espécie de aviso. Anunciei. Mamãe, atenta e perspicaz, fez questão de interferir a seu modo. Com um jeito suave, macio, conversou comigo. Explicou em poucas palavras seu espanto misturado a contentamento. Era, sim, novidade. Descortinava-se, ali, nova realidade. Boa ou ruim, ainda não sabia.

Me importava mais, sinceramente, o detalhamento do que o fato em si. Pude ouvir um relato sereno, de quem tem voz mansa e sabe usar milimetricamente as frases certas na hora exata. Mãe é assim: binóculos nos olhos, estetoscópio no ouvido e um tato capaz de decifrar a mais complexa filosofia humana.

Pronto, relaxei. E disse o que me afligia tanto: o "pulsar" inédito da minha arcada inferior. Bem na frente. Ela, astuta, decodificou a mensagem. Relaxou e tratou, imediatamente, de providenciar meu alívio. Fração de segundos e já mostrava, toda orgulhosa de mim, o dente extraído sem esforço.

Pensei logo na "fada", de histórias que ela me contou há tempos. Sorriso no rosto, mamãe respondeu pela expressão facial: "Sim, ela virá. Você adivinhou"! Risonho e deficitário, numericamente falando, me gabei. Além de acertar em cheio a interpretação do acontecido, ainda vou ganhar bênção!

Certos novos conceitos, confesso, ainda me parecem estranhos. Dia seguinte vi notícia sobre a história de José pela tevê. Na sequência, mesma data, assisti a glória de Maria. Posso até ouvir meu pai detalhar a diferença entre uma alma talhada na retidão e um corpo esculpido ao bisturi.

Ôpa, meu pai surgiu na memória. Sim, tenho família. Afastada e unida, como se esses antônimos do dicionário fossem gêmeos. Parecido com meus dentes agora. Não há distância que nos separe. Queria, mesmo, mostrar pra meu irmão esse dentinho. Tô até vendo o semblante dele, tímido e amigo. Daqui, meu abraço apertado. Sempre!

3 comentários:

Vitor Menezes disse...

Maneiríssima!

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli disse...

Amei! Que legal Álvaro!

Flávia Ribeiro Nunes Pizelli disse...

Amei! Muito legal Álvaro!

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