Beijei o Cazuza
Álvaro Marcos
Via a vida pela óptica da escolha. Não entendia a dúvida interna entre pudor e poder. Preservava-me dos meninos afoitos. Aos tímidos, oferecia um pouco além. Doava sensações, indiscretamente. Preferia sempre, indistintamente, os cautos. A estes permitia língua, toques e retoques sensuais, provavelmente além do limite imposto socialmente à minha tenra idade. A maneira de protesto e firmamento prevalecia.
Era o inconsciente de menina interiorana da década de 80. Sentia os seios crescerem, percebia lubrificação vaginal. Detalhar os motivos era pensar como adulta, ou adúltera. Em determinado momento, as palavras pareciam sinônimas tal exercida chibata paterna. Ouvir que moça tinha o casamento pré-marcado parecia comum, simples, trivial. Menos para mim, revolucionária desde as letras iniciais. Questão de personalidade desvirtuada, sei lá...
Identifiquei-me, sempre, com homens. Deles prezo amizade, fidelidade e respeito. E tesão, que eu conseguia reduzir a tiquinho. Não importavam tentativas e blefes. Sobressaia a integridade dessa troca miúda. Árdua em apartar avanços, próspera no conceito divisor de águas ao qual perseguia e acreditava. Fidelizei-me. Consegui - loura, linda e desejável - conquistar lugar altivo, inatingível e respeitável na macheza.
Foi, sei, com meu jeito berçário de sinceridade. Adicionando pitadas de desbocamento e, forçosamente, firmamento de pensamento. Não podia, de jeito algum, me deixar vencer por atrações momentâneas, paixões sem sentido, ilusões infantis. Crescia e amadurecia, ali, minha alma feminina libertária. Excêntrica para alguns, estranha no seio do lar e admirada pelas amigas. E, especialmente, pelos rapazes.
Ganhei altura, cabelos e peso. Aos 17 mandava em mim, contestava pai e mãe e liderava a trupe. Com discurso veemente, visceral, temperado de pitadas de irresponsabilidade e genialidade em doses até hoje insanáveis, lá fui eu caçar ingresso para o show do Barão Vermelho na terceira cidade vizinha. Era procura frenética, alucinada e quase inalcançável em pleno 1984. Apoio, zero. Dificuldades, milhares. Pensar em desistir, jamais.
Consegui, com míseros trocados, o bilhete para a apresentação. Peguei carona num fusca 68. Encontrei colegas, levados pelos pais. Assisti, vibrei e decidi algo a mais. Queria ver o grupo pessoalmente, no camarim. Sugeri-me ao segurança. Passei. De repente estava lá. Foram cinco minutos. Cazuza me conduziu à porta. Abracei seu pescoço. Nos beijamos alucinadamente. Tiveram de apartar. Seus lábios guardo como troféu até hoje, 29 anos depois.
segunda-feira, agosto 05, 2013
[croniquinha de segunda]
Postado por Álvaro Marcos Teles às 11:26 Marcadores: croniquinha de segunda
Um comentário:
Muito bom! Que os outros urgentistas também se animem e passemos a ter croniquinhas de segunda, terça, quarta...
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