Empolgar-se com os gritos de “não vai ter Copa” é o que
fazem os ativistas de poltrona, os revolucionários do Facebook. Compartilhar a
coragem dos manifestantes enfrentando bombas de gás em São Paulo e Rio de
Janeiro é o que há. Mas não se engane: vai ter Copa e nada do que você fizer
agora vai mudar isso. E ainda tem mais: você vai dar uma olhadinha na final da competição transmitida
pela TV Globo. Vai reclamar do Galvão Bueno e chamar Neymar de pipoqueiro. Se o
Brasil perder você vai culpar a CBF, a farra com o dinheiro público e/ou a
burrice de Felipão. Se o Brasil ganhar vai dizer que a Copa foi comprada, e que
essa competição era um jogo de cartas marcadas.
O momento de gritar “Não vai ter Copa” era entre 2009 e
2010, quando o Brasil se candidatou. Mas naquela época, ninguém estava
preocupado com isso, o tal gigante ainda dormia em berço esplêndido. Naquele
momento, quando a CBF e o Governo Federal se encontravam para traçar os planos
para 2014, era o momento de sair às ruas e dizer: “Não queremos Copa! Já
conhecemos vocês políticos! Sabemos que vão superfaturar tudo! Nós queremos
hospitais, escolas e estradas!”. Mas eu não me lembro de ninguém nas ruas naquele ano.
Naquela época, alguns políticos, sociólogos e jornalistas já previam: a Copa vai ser superfaturada. Todos sabiam disso, era
claro como água. Até os pinguços na mesa de bar já falavam sobre isso, mas onde estava o pessoal do “Não vai ter Copa”? Muito provavelmente, estavam elegendo
os mesmos políticos que agora estão superfaturando a Copa do Mundo no Brasil. Quando
vejo aquela multidão nas ruas do Rio de Janeiro, protestando, quebrando e se
indignando, fico me perguntando como pode Eduardo Paes ter sido eleito no
primeiro turno? Quem afinal de contas colocou Sérgio Cabral no poder? Aposto que você não votou nele. Nem eu. Então como diabos ele ganhou a eleição? Quem elegeu Bolsonaro? Quem elegeu Marco Feliciano? Onde a
turma do “Não vai ter Copa” estava quando a gente mais precisou dela?
Não sou contra os protestos, nem poderia, minha história de
vida não me permitiria isso. Não sou contra Black Blocks, Cabruncos, Anonimous
ou qualquer outra força que se levante contra as mazelas que nos são impostas
pelo opressor. Se o governo entender que estamos acomodados, ou os obedecemos como
ovelhas, vão continuar tripudiando e superfaturando Copas, Olimpíadas e o que
mais eles encontrarem pela frente. Sair do estado de letargia em que nos
encontrávamos foi incrivelmente excitante, mas nos perdemos no meio da multidão. Perdemos a direção. Gritamos para todos os lados e ninguém ouve. Falta
coragem, liderança e um posicionamento claro, definido. Sem isso, vão continuar
gritando “não vai ter Copa” para ouvidos surdos.
Na Ucrânia, milhares de pessoas marcharam em direção ao
parlamento e exigiram a retirada do presidente. E ontem à noite eles
conseguiram. Não se enganem: os partidos de oposição estavam à frente, sempre
estiveram e sempre vão estar. É assim em qualquer república que se preze.
Inclusive no Brasil. Acreditar, por exemplo, que os caras pintadas tiraram o
Collor do poder é ser ingênuo ao quadrado. O impeachment de Collor foi um
trabalho de coalizão de partidos de oposição com movimentos sociais e sindicais sérios que
explodiu na marcha dos caras pintadas. Outra vez, os partidos de oposição,
movimentos sindicais e movimentos sociais estavam à frente. A vontade popular
estava ali representada, mas não sem um direcionamento.
No exército existe um treinamento de recrutas chamado “Ordem
Unida Sem Comando”. Todos sabem o que fazer e não precisa de um líder, não
precisa de um comandante. E eles andam, andam e não saem do lugar. Gritam,
gesticulam, fazem um barulho enorme e no final estão no mesmo lugar. As
manifestações andam em círculos, faltam cérebros, sobram músculos. Por outro lado, as manifestações reverberam a vontade popular e conseguem nos mostrar pontos que até então estavam obscuros, casos que antes passariam despercebidos. Amarildo, Museu do Índio, entre outros casos que antes não teriam força para aparecer no Jornal Nacional. Mas ainda é pouco, muito pouco.
Também está claro que muita coisa que acontece nas
manifestações não nos chega de forma correta, é como um telefone sem fio. Os movimentos
sociais envolvidos às vezes são abafados pelos gritos de meia dúzia de
baderneiros ou são suprimidos na edição do Jornal Nacional. O mesmo noticiário que gasta cinco minutos
com um tiozinho que teve seu fusca incendiado, mas não gasta dez segundos para entrevistar
ativistas que têm algo a dizer dentro e fora das manifestações. Não dá pra acreditar que é apenas bandalha,
porque não é. Mas a mídia corporativa tem sido mais inteligente do que os manifestantes,
que acabam se transformando em vilões, como em 60/70. A história não pode se
repetir. Precisamos ser mais inteligentes, precisamos ser mais incisivos e
parar de andar em círculos. Eles não entram em campo pra perder, são os donos da bola, subornaram o árbitro e ainda são os donos do campo. Nós só temos a torcida a nosso favor, então é hora de jogar com inteligência e parar de perder para quem é menos talentoso com "a bola nos pés". E finalmente, parafraseando
Malcolm X, “se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as
pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo”.
Vai ter Copa, e entenda de uma vez por todas que não é força, é jeito.
2 comentários:
Disse boa parte do que eu estava a fim de dizer sobre o assunto!
Cássio, seu artigo me representa!
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