segunda-feira, setembro 12, 2011

[croniquinhas de segunda]


Guerrilheiro Antônio

Vitor Menezes

Guerrilheiro Antônio mirou no olho esquerdo do soldado Camargo. Acertou o direito. E pensou sobre a necessidade de praticar mais. Cinco dias naquela mata havia alterado o seu condicionamento e abalado os seus reflexos. Mas seu maior lamento era mesmo a perda da pontaria. Descobriu que não era a ideologia, o senso de justiça, o gosto pela política, o amor pela revolução, nada disso o que o mantinha no movimento de guerrilha. Era a adrenalina do tiro.

Matava com prazer de esportista. E mesmo em uma noite de chuva como aquela ele não teria errado um alvo a cem metros.

Dia seguinte, no acampamento, limpou a arma como se ali não estivesse e longe se manteve durante a preleção da tarde. Mais noites e dias se passaram até que a ordem para recuar chegasse ao grupo na selva. Antônio não a obedeceu. Tinha contas a acertar.

Foi então que partiu solitário montanha acima, levando toda a munição que sobrara dos companheiros. Praticou em troncos de árvores, pequenos pássaros, répteis ariscos, frutos em galhos distantes, sempre com patéticos resultados. Decidiu então gastar consigo a última bala. Apontou a um palmo, contra a cabeça, a arma impecavelmente lustrada. Antes de apertar o gatilho ainda observou por alguns instantes o cano que continha a sua sentença. Foi adiante. Acertou o olho esquerdo.

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